O show do Pearl Jam já caminhava para sua metade quando ainda era possível avistar, de longe, uma multidão se deslocando para o palco onde Vedder e companhia se apresentavam. E aqui cabe uma crítica à organização do festival: em 2014, um estreante Imagine Dragons já lotava o palco secundário do evento quando tinha apenas um disco lançado. Agora, quatro anos e dois discos depois, é difícil entender a insistência da escalação do quarteto de Las Vegas no mesmo local. Como era de se esperar, o espaço não deu vazão aos fãs e muitos ficaram sem ver ou ouvir a banda indie. E o escoamento daquela multidão também foi caótico.

Aqueles que conseguiram testemunhar parte do show viram os rapazes fazerem um show como manda o figurino: muita pirotecnia, muitos discursos edificantes e os sucessos criados para emocionar adolescentes.

De torso nu, o vocalista Dan Reynolds “vestiu” primeiro a bandeira gay multicolorida e depois a bandeira brasileira. Falou sobre o público brasileiro, que é “o melhor”, e em outro momento também alertou sobre os perigos da depressão. No repertório, levou sucessos dos três discos.

Mano Brown © Lucas Tavares

Pouco antes, no palco ao lado, Mano Brown também tinha arrebanhado um público numeroso. E quem esperava discursos engajados do show ficou só na esperança. O rapper do Capão, na periferia paulistana, apresentou no Lolla o repertório de seu primeiro disco solo, “Boogie naipe” (2016), acompanhado da big band de mesmo nome. Um repertório com muito soul, funk e rap, mas totalmente despolitizado.

Até Matt Berninger, vocalista da banda americana The National, fazia um breve discurso naquele mesmo momento, no palco principal.

— Vocês estão passando por um momento merda, assim como nós. Então vamos aproveitar e ter uma boa noite – pediu o cantor e compositor, antes do clássico “Fake empire” (“império falso”, em tradução livre).

Pouco antes, em tom menos sério, pediu desculpas por acertar um copo de plástico (um dos tantos que arremessou) no rosto de um fã:

— Você estava mexendo no celular e não viu. Mas a culpa foi minha.

Ali, o National já se encaminhava para o final de outra apresentação tão vibrante quanto comovente em solo brasileiro – na quinta-feira passada, os heróis indies americanos fizeram show intimista ainda mais intenso no Circo Voador. Tanto lá quanto cá, grande parte do público já se mostrava familiarizado com o repertório de “Sleep well beast”, álbum lançado ano passado que rendeu ao grupo seu primeiro Grammy, há algumas semanas.

Por isso, novidades como “Nobody else will be there”, “Guilty party” e “Day I die” tiveram recepções tão positivas quanto hits de outrora – “Don’t swallow the cap”, “Squalo Victoria”, “I need my girl”. Mas o ponto alto foi mesmo a performance intensa e apoteótica de “Mr. November”, em que Berninger foi, às lágrimas, para os braços do público.

David Byrne © Lucas Tavares

O sábado, aliás, pode ser resumido como um dia de grandes vozes (ou de vocalistas performáticos) no Lollapalooza. Além de Vedder e Berninger, David Byrne foi outro destaque, com apresentação histórica que repetirá na quarta-feira, no Rio, no Km de Vantagens Hall.

De terno cinza e chinelos, Byrne, de 65 anos, apareceu no palco por volta das 16h30m e sentou-se numa cadeira posicionada atrás de uma mesa. Pegou um cérebro de plástico que estava sobre ela e, como um professor, entoou didaticamente os versos de uma de suas novas músicas, “Here”.

A partir deste ato inicial, o eterno líder do influente Talking Heads entregou um show-performance, extremamente e cuidadosamente ensaiado, teatral e genial. Até mesmo os mais jovens que já guardavam lugar para assistir ao Imagine Dragons pareciam estar em transe com o que acontecia no espaço delimitado por grandes cortinas metálicas.

Aos poucos, a banda que o acompanha, com onze músicos – três deles brasileiros – que cantam, dançam e tocam seus instrumentos praticamente sem fios, foi sendo revelada para tornar a experiência ainda mais intrigante. No repertório enxuto (é um festival, afinal), clássicos do Talking Heads foram maioria – “I Zimbra”, “Slippery people”, “This must be the place”, “Once in a lifetime”, “Blind”, “The great curve” e “Burning down the house” -, mas também teve espaço para seu recém-lançado disco, o otimista e dançante “American utopia”.

Em cerca de uma hora, Byrne entregou ao público (entre curiosos e descrentes) um conceito desconstruído e revolucionário do que é ou pode ser uma performance musical. Eddie Vedder não exagerou quando, mais tarde, brindou ao ídolo chamando-o de “gênio” e agradecendo-o pelo “belo show de hoje”.

* texto de Luccas Oliveira de O Globo, distribuído por Agência O Globo