Laurie Anderson, viúva do cantor, compositor e mito do rock Lou Reed, falecido em 2013, doou à Biblioteca Pública de Nova York uma enorme coleção de papéis, fotografias e gravações – mais de 600 horas de fitas demo e de registros de shows e até mesmo leituras de poesia – que abarca boa parte da carreira do músico.

Segundo reportagem publicada pelo “The New York Times”, a doação foi anunciada pela biblioteca na última quinta-feira, data em que o artista teria completado 75 anos de idade. O conteúdo será disponibilizado a todos os visitantes da Biblioteca de Artes Cênicas, no Lincoln Center, logo que esteja totalmente catalogado e preparado, o que levará pelo menos um ano.

– Eu realmente não queria que isso tudo desaparecesse em um arquivo em que as pessoas tivessem que usar luvas brancas para consultar. Queria que as pessoas vissem o quadro inteiro – disse Anderson, que pensou inicialmente em disponibilizar o material on-line.

O arquivo oferece vislumbres da vida de Reed como uma figura cultural do primeiro time. Há, por exemplo, uma carta de 1993 em que o diretor Martin Scorsese escreve sobre o elenco de um projeto de filme que acabou não dando certo.

Há também a correspondência do cantor com Vaclav Havel (1936-2011), dramaturgo dissidente e presidente da República Tcheca, que ajudou a espalhar o evangelho subversivo do grupo de Reed, o Velvet Underground, na fase em que o país ficou sob o jugo soviético. Depois de visitar Praga em 1990, onde se apresentou com músicos tchecos que conheciam o seu repertório de cor, Reed escreveu a seu novo amigo em um fax: “Eu não poderia ter imaginado essa cena e repeti-la em minha mente”.

No meio de tudo, há também resmas de documentos e a contabilidade mundana de uma vida na estrada: as notas fiscais de um sanduíche no hotel Hilton de Tóquio e de um tape deck comprado de uma loja de eletrônica em Phoenix. No entanto, mesmo esses pequenos detalhes, disse Laurie Anderson, mostram um lado importante de Reed:

– A imagem que as pessoas tinham de Lou era esse cara durão, de jaqueta de couro cantando canções realmente transgressivas. Enquanto isso, ele estava guardando todos os recibos da turnê.

Quem quiser se debruçar sobre o material do artista terá chance de encontrar poemas líricos e mesmo versos que nunca chegaram a ser publicados em livro (ou aproveitados em letras de música). Há também anotações extensas sobre o tai chi chuan, paixão que Reed cultivou em seus últimos anos de vida – Laurie chegou a comentar, quando perdeu o companheiro, que ele estava “observando as árvores e fazendo a famosa posição 21 do tai chi” ao morrer.

Apesar de ter curiosidades de tantas épocas, há pouca documentação do período no Velvet Underground. Parte desse material pode ter sido perdido ou estar em coleções particulares. Há, entretanto, alguns mistérios nas fitas. Um rolo de gravações do Velvet Underground pode ser do empresário da banda e mito das artes plásticas Andy Warhol, informou Don Fleming, o arquivista que Laurie Anderson contratou para analisar o arquivo antes de entregá-lo à biblioteca. Em maio de 1965, Reed enviou para si mesmo uma fita de cinco polegadas. A caixa está fechada e o conteúdo da fita é desconhecido.