Música permeia nossa existência, e certamente transitar nesse mundo sem se deixar levar por melodias, tornaria nosso passeio por aqui sem sentido. Quando ouvimos aquele som que vai ao encontro do que nos move, ainda conseguimos ter fé na humanidade, seja pela beleza e poesia ou pela mensagem crua e direta, que nos faz pensar o mundo. Mas qual a razão dessa divagação? É muito simples: apenas para reforçar que shows como o do Metá Metá são uma experiência que você deveria considerar na sua vida, como muitos dos que estiveram no Circo Voador no último sábado (14), puderam comprovar.

Mas antes, o público conferiu uma abertura de classe: a banda paulistana de pós-punk As Mercenárias, que fez seu debut na mítica lona a convite do próprio Metá Metá. Uma espécie de acerto de contas até com a história do Circo, que sempre esteve na vanguarda, assim como o grupo liderado por Sandra Coutinho, única integrante que permanece na banda desde a formação em 1982. Vale lembrar que a primeira vez da banda no Rio foi apenas em 2016, o que impressiona considerando os seus mais de 30 anos de história.

Quem compareceu, teve a chance de ver um pouco da história do rock nacional acontecer ao vivo. A banda não deu trégua aos presentes ao longo de uma hora de show, e enquanto o pessoal ainda chegava, o trio formado por Sandra Coutinho (vocal e baixo), Michelle Abu (bateria) e Mari Crestani (guitarra), sem firulas e muita irreverência, atirou à queima-roupa sonzeiras como “Polícia”, “Pânico”, “A honra” e “Inimigo”, que ao vivo ficaram robustas com o vigor do punk.

Mas não apenas a visceralidade do som capta nossa atenção, afinal, como letras escritas há 30 anos podem soar tão contemporâneas? Críticas à segurança pública (“Polícia”), à Igreja dos homens (“Santa Igreja”), à política institucional (“Somos milhões”, “Inimigo”, “Pânico”), reflexão sobre o tempo como bem valioso (“Me perco”) e sobre o narcisismo (“Imagem”), tudo nos parece assustadoramente familiares. Nada como esbravejar contra o que nos incomoda, e o público comungou a catarse lindamente, com pogo, palavrão, caos e toda reverência que a banda merece. Vida longa às Mercenárias!

Depois disso, público mais que aquecido e preparado para receber a grande atração da noite. O Metá Metá retornou ao Circo Voador após show em junho de 2016, quando havia acabado de lançar “MM3”, celebrado pela crítica e abraçado pelo público, o que ficou evidente em mais uma apresentação épica na casa.
Ao acompanhar a banda em ação, é possível entender o que arrebata a plateia. A sensação de tomar parte em uma solenidade quase religiosa, faz os presentes se entregarem e serem cúmplices. Afinal, a relação artista-público não estaria próxima de uma espécie de culto? Mas se você não professa uma fé específica, não é empecilho para se deixar levar, basta a fé na boa música.

A voz marcante de Juçara Marçal, guia o coro que celebra a força da espiritualidade, como em “Oya”, “Rainha das Cabeças” ou “São Jorge”; o sax de Thiago França, cria uma atmosfera sofisticada, como na soturna “Três amigos”, ou festiva, como em “Angouleme”; somada à guitarra de Kiko Dinucci, que marca o vigor do rock, que pulsa em faixas como “Imagem do Amor” e “Atotô”. O que poderia ser ousadia ao entrelaçar elementos da música afro, jazz, rock e sons regionais, resulta em uma sonoridade para apreciar com a mente e o coração.

Como não poderia ficar melhor, ao retornar para o bis, As Mercenárias são convocadas ao palco para dividirem “Me perco nesse tempo”, originalmente da banda paulistana, que ganhou uma releitura encorpada do Metá Metá. Ainda houve fôlego para “Toque certeiro” e “São Jorge”, mas o público sedento clamou por mais uma. E em uma espécie de agradecimento, a banda retribuiu com “Tristeza não”, fechando a noite de forma poética, como os versos desta faixa, que de alguma forma, podem resumir a essência da banda: “Corre, anda, rasteja / Peleja sim, coração / Em busca da beleza”.

Metá Metá
Circo Voador, Rio de Janeiro,
14 de janeiro de 2017