Num dos carnavais em que a crítica política deu o tom dos desfiles na Sapucaí, a Beija-Flor de Nilópolis foi a campeã de 2018, com um enredo que abordava as mazelas atuais do Brasil. A escola da Baixada Fluminense garantiu o seu 14º título só no último quesito, samba-enredo, quando deixou para trás o Acadêmicos do Salgueiro, que liderava àquela altura.

Outra escola que apostou na linha dos enredos críticos, a Paraíso do Tuiuti ainda garantiu um histórico vice-campeonato. A escola de São Cristóvão levou para a Avenida uma representação do presidente Michel Temer como vampiro, dentro de um enredo que abordava a escravidão e os cativeiros sociais da atualidade.

A terceira colocação ficou com o Salgueiro. Em seguida, vieram Portela, Mangueira e Mocidade, que completam o desfile das campeãs, no próximo sábado. Unidos da Tijuca terminou na sétima posição. Logo atrás, ficaram Imperatriz, Vila Isabel, União da Ilha e São Clemente. Já a Grande Rio, que teve um carro quebrado no desfile, e o Império Serrano, foram rebaixadas.

Com o enredo “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu”, a Beija-Flor apresentou uma proposta diferente de desenvolvimento de enredo, sem o luxo que era característico da escola, porém, mais teatralizado e dramatizado .

A azul e branco não vencia desde 2015, quando, paradoxalmente, tinha homenageado a Guiné Equatorial, país governado por uma ditadura. Desde então, a escola vinha de posições inesperadas, como o sexto lugar ano passado. Para mudar esse rumo, desta vez apostou numa virada na maneira de fazer os desfiles. Antes da apuração, havia até uma preocupação quanto à estética da escola. A agremiação chegou a perder, de fato, dois décimos em Alegorias e Adereços, e um em fantasias. Mas prevaleceu a mensagem levada à Sapucaí.

Ao longo de todo o desfile, imagens fortes apareciam na Avenida. Num dos carros, havia a representação de uma estudante e de um policial mortos. No alto da mesma alegoria, uma sala de aula era invadida por homens armados. A corrupção estava representada em alas e carros.

– Graças a Deus no final deu tudo certo. Foi muito emocionante, até porque as outras escolas estavam impecáveis – afirmou Raíssa, rainha da bateria da agremiação.

A escola não teve pudor de colocar na Avenida, por exemplo, um assalto na saída de um túnel, crianças vendendo balas com uniforme escolar.

O segundo carro alegórico já provocava: mostrava o Congresso Nacional e engravatados circulando com pompa, mas um contêiner branco logo atrás se transformava em uma favela e seus barracos. Do lado do barraco onde estava um borracheiro, vários homens que representavam traficantes, segurando fuzis apontados para as arquibancadas, caíram nas graças do público.

Em dado momento, eles desapareciam do barraco, e surgiam em uma cadeia suja, com direito a pichações e privada em péssimo estado. Mas logo sumiam também dali – e, no solo, um carcereiro em greve dava o ar da graça. Atrás dessa favela cenográfica, mais empresários engravatados se mostravam felizes, exibindo cédulas e mais cédulas, sob a inscrição “empreiteiros associados”.

Um grupo com uma foice na fantasia simbolizava as vidas ceifadas pela saúde deficiente. Havia espaço até para criticar a violência no futebol, o preconceito racial e a homofobia. Nesse setor, a cantora Pabllo Vittar veio de gladiadora, com a também cantora Jojo Todinho, em um carro representando um jogo de futebol tumultuado que se transformava em uma arena de gladiadora da Roma antiga.

A Beija-Flor reproduziu ainda um banquete seguido de farra da turma da gangue dos guardanapos, ex-secretários e empresários ligados ao ex-governador Sérgio Cabral. O próprio estava também representado na Avenida, na frente do banquete, oferecendo um anel de R$ 800 mil para a esposa Adriana Ancelmo, mimo descoberto mais tarde no âmbito da Operação Lava-Jato.Uma ala também representava políticos como vampiros, e ainda outra fazia referência ao petrolão.

Nesta tarde, quando o resultado foi confirmado, as ruas de Nilópolis explodiram, numa festa que acontece em plena Avenida Mirandela, coração do município. Muita gente se abraçava e chorava com o campeonato.

Apesar de toda comemoração, no fim da apuração um dos integrantes históricos da Beija-Flor, Laíla, ameaçou trocá-la pela Grande Rio. Ele saiu da Apoteose afoito e muito nervoso:

– Peço ao meu presidente: vamos conversar. A comunidade ganhou o carnaval. Mas é preciso repensar os caminhos que estamos tomando. Para eu ficar, precisamos conversar. Prefiro ajudar quem está mais necessitado, que no caso é o meu irmão Jaider (Soares, da Grande Rio).