A reação das pessoas ao falar que eu ia para um festival de música em Goiânia era engraçada, “Villa Mix? E tu gostas de sertanejo assim?”. Já estava indo para o último dia de Festival Bananada quando finalmente entendi a relevância e grandeza desse festival que no último final de semana completou 20 edições. Na tarde do domingo (13), no último dia do festival, já naquele clima de despedida chegou na minha caixa de entrada uma mensagem curiosa. Tratava-se de um código promocional para o Bananada #30, quem clicasse no link teria 30% de desconto para o Bananada que acontecerá daqui a 10 anos.

O que parece, à primeira vista, uma tática de marketing diferenciada levanta uma reflexão impactante: Será que a representatividade apresentada nesses três dias festival, com visibilidade trans, negra e feminina, a essência de todos os discursos socialmente incisivos e urgentes teriam força o suficiente para nos manter olhando para a mesma direção daqui a 10 anos?

Nesta edição o Festival Bananada se destacou ainda mais nas divulgações online através de um line-up potente e um o novo local: o estacionamento de um dos maiores Shopping Centers do país, o gigantesco Passeio das Águas. O local abrigou quatro palcos, sendo dois de grande porte ao ar livre e praça de alimentação e mais dois de médio porte, dentro da área do estacionamento coberto onde estiveram posicionados os stands dos patrocinadores, área infantil, bares e sala de imprensa.

O nome do festival vem mesmo do ato de dar uma “banana”, o ato de resistir. Na entrada uma projeção com vários e vários grupos que realizam o festival reproduzindo o gesto. Numa cidade onde o sertanejo é a música mais consumida e exportada pelo grande público e mídia, imagina-se o quão importante e valoroso pra cena brasileira um festival tão grandioso no Centro-Oeste.

Durante uma semana a programação seguiu por vários pontos da cidade, com apresentações em cafés e casas de show. A Zimel esteve presente a partir da sexta-feira (11) registrando os melhores momentos dos shows do fim de semana.

Sexta-feira

Com algum atraso, Gilberto Gil subiu ao palco Chilli Beans para apresentar o show Refavela40, um repertório construído com o que há de mais afro e forte em suas composições. “A África civiliza o Brasil” disse Gil ao público enquanto dividia o palco com nomes como Moreno Veloso, outro expoente que não só pelo sangue mas também pela trajetória leva as origens africanas para a música popular brasileira.

Ainda na sexta-feira, a resistência trans foi representada num verdadeiro espetáculo no palco Selvagem. As Bahias e a Cozinha Mineira presentearam o público uma apresentação cheia de surpresas. Assucena e Raquel Virgínia soltaram sem pena a voz que ecoava a liberdade de poder ser quem se é, “Um Doido Caso” um pop ritmado com refrão chiclete gostoso levou o clima lá em cima antes de convidar nomes como Pabllo Vittar, Urias e Mateus Carrilho para performar junto durante a interpretação do hino feminista “Pagu”, de Rita Lee.

As Bahias e a Cozinha Mineira © Ana Paes / Zimel

Francisco, El Hombre e Emicida também receberam um grande público em seus respectivos palcos no sábado, ainda que a internet não nos deixe esquecer alguns posicionamentos machistas em letras do rapper, houve espaço para suas composições de grande sucesso de mídia e parcerias louváveis, como pudemos observar ao cantar o hit “Passarinho”, fruto de seu encontro musical com Vanessa da Mata. Na mesma forma, também houve espaço para a Francisco El Hombre, que também tem a reputação controversa nas redes sociais por contra de uma denúncia divulgada pela ex companheira de um dos integrantes. Ironicamente – ou não, outro hino feminista mais contemporâneo também teve destaque na apresentação da da banda, em “Triste, Louca ou Má” foi possível ver a genuína emoção que a música causa trazendo ao rostos do público feminino presente muitas lágrimas ao ouvirem a angelical e urgente voz de Juliana Strassacapa, a grande mujer que integra e se destaca na banda Francisco, El Hombre.

Juliana Strassacapa da Francisco El Hombre © Ana Paes / Zimel

Para finalizar o primeiro dia, sets nostálgicos e atemporais com os DJs KLJ e Marky fizeram diferentes faixas etárias se encontrarem na pista do palco Red Bull para balançar ao som de muita black music e eletrônica dos anos 2000, respectivamente.

Sábado

Das 19 atrações do segundo dia de Bananada, o destaque, é claro, para a prata da casa, ainda que Carne Doce mereça ouro. A performance e experimentalismo presentes na apresentação justificaram a existência de uma cena independente tão forte num lugar não-óbvio como Goiânia: é talento mesmo.

Rincon Sapiência iniciou sua apresentação com menção a Marielle Franco e seguiu com a rebolatividade intercalada com o ativismo negro. O cantor arrancou gritos do público com rimas entre as músicas trazendo o levante negro com argumentos e os beats do seu DJ.

Rincon Sapiência © Ana Paes / Zimel

Logo em seguida e no palco ao lado, Aretuza Lovi iniciava os trabalhos para receber Pabllo Vittar e Titica no palco Chilli Beans. Uma apresentação cheia de brilho, troca de figurinos, hits impossíveis de não cantar e rebolar num festival diverso e plural. A cantora dedicou a música “Indestrutível” ao lembrar de Matheus Moura, seu amigo vítima da homofobia, reafirmando para toda a comunidade LGBT presente de que nada poderia destruí-los. Arrepiante.

E para levantar o clima antes de ir pra casa, Heavy Baile assumiu o palco Red Bull com grandes hinos do funk atuais e antigos, mensagens de resistência de negros, pobres e macumbeiros. Com ajuda de dançarinos vindos do Rio de Janeiro, deixou o público boquiaberto com quantidade de passinhos profissionalmente funkeiros. Daqueles shows pra te deixar incapaz de subir uma escada no dia seguinte.

Heavy Baile © Ana Paes / Zimel

Domingo

Boogarins foi outra banda representante da cena de Goiânia que recebeu tão bem o público que veio de vários lugares do país para viver o Bananada. Num show quase hipnotizante, as projeções levaram os fãs para um local musicalmente especial, houve entrega total e magnetismo na apresentação.

Em seguida, rap feminino foi a palavra de ordem. Rimas e Melodias trouxe até o palco Red Bull as rappers Mayra Maldijan, Tatiana Bispo, Drik Barbosa, Karol de Souza, Stefanie, Tássia Reis e Alt Niss. Citaram Marielle fortemente, de maneira emocionante e forte explicaram cirurgicamente como e porque a carne negra deixou de ser a mais barata do mercado. Deixaram o clima perfeito para a apresentação seguinte.

Larissa Luz © Ana Paes / Zimel

Larissa Luz trouxe um show cheio de expressão, letras e opinião. A baiana provou que seu território conquistado é legítimo e rebolativo, as músicas te convidam a dançar enquanto pensa e admira a performance de uma artista cuja estética impecável prioriza o conteúdo. Também falou de Marielle, Anderson, Matheusa e tocou em cada uma das feridas que deixaram o movimento mais forte. Um figurino empoderado e interpretações teatrais dentro de sua dança, definitivamente uma das melhores aparições do 20º Bananada.

Enquanto isso, a banda gaúcha Fresno no palco Sympla concentrava dezenas de fãs que se espremiam na grade para uma foto ou contato mais próximo com qualquer um dos integrantes da banda gaúcha que ainda resiste ao longo dos anos após tanta troca de integrante e mudanças de cenário. Foi a prova de que aquela banda, alavancada pelos programas de votação da MTV, construiu uma base de fãs tão sólidas que a rede conseguiu sustentar e consolidar até hoje com o mesmo fervor das épocas de “MTV 5 Bandas de Rock”, a linguagem atemporal do amor musicado em letras profundas e uma sonoridade inconfundível com a voz de Lucas Silveira.

“Durante esses 20 anos, o Festival Bananada não é somente sobre música é sobre gente”, afirmou Lucas Manga, o Gestor de Comunicação juntamente com toda a equipe de patrocinadores e colaboradores que subiram ao palco Chilli Beans antes de anunciarem a entrada da banda Nação Zumbi, headliner do domingo, último dia de Festival.

A percussora do Mangue Beat mostrou respeito ao público e a história que construíram ao longo desses anos. “Bossa Nostra” foi cantada a plenos pulmões por todos aqueles que resolveram levar sua alma pra passear nesse fim de semana, “Um Sonho” embalou corações apaixonados e sonhadores que também puderam se alegrar com a energia do maracatu que pesa uma tonelada.

BaianaSystem © Ana Paes / Zimel

Antes que você pudesse se dar conta, Baiana System já mostrava suas primeiras projeções no palco. Uma imensidão vermelho-sangue anunciava que Marielle também estava presente naquele palco com Russo Passa-Pulso. “Duas Cidades” foi estrategicamente escolhida para iniciar um verdadeiro culto a existência de cada um presente. Teve gente subindo na estrutura do palco pra ser vista bem de cima fazendo o balanço do mar e levando toda a multidão a balançar também. Rodas intermináveis de pessoas esbarrando em pessoas num abraço gigantesco de gente, elas gritavam, vibravam, cantavam e se embalavam juntas nas batidas daquelas percussões. Baiana System é uma experiência que alegra qualquer coração, enche de vida e energia. Levou todo o público pra outra atmosfera onde o estado de êxtase é comum e confortável. Inesquecível show num inesquecível festival.

Por mim, estaríamos todos lá no ano que vem ou daqui a 10 anos, com menos bandeiras que resultaram em sangue, é claro, mas no mesmo coro da luta.

Festival Bananada,
7 a 13 de maio de 2018
Shopping Passeio das Águas, Goiânia, Goiás.