As regras de funcionamento da Lei Rouanet, de incentivo à cultura, vão mudar. Limites de financiamento e gastos, mais transparência e agilidade nos processos foram alguns dos pontos da Instrução Normativa (IN) apresentada nesta terça-feira pelo ministro da Cultura, Roberto Freire, em Brasília. As mudanças entram em vigor com a publicação da IN no Diário Oficial, o que deve acontecer nesta quarta-feira, e passam a valer para novos projetos. O ministro afirmou que a irregularidade “campeava” no modelo antigo.

– Nós estamos com um passivo que se aproxima de 18 mil processos no MinC, grande parte na Lei Rouanet, em que as fiscalizações não foram realizadas. Isso dá a demonstração de que a irregularidade campeava, porque se descobrem desvios como os apurados na Operação Boca Livre. Espero que não tenhamos mais a irresponsabilidade desse passivo – disse Freire.

Para aumentar a transparência e reduzir a chance de fraudes, os gastos de cada projeto serão disponibilizados em tempo real na internet e todos os recursos serão movimentados por uma conta vinculada do Banco do Brasil. O objetivo é permitir a fiscalização de técnicos e da sociedade.

Renata de Almeida, diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, acredita que a reforma era necessária e vê a prestação de contas como o principal gargalo:

– Na Lei Rouanet temos que ficar com os papéis por dez anos. Temos um galpão inteiro alugado só para guardar notas. Tudo o que vem para democratizar e facilitar os processos é bem-vindo. Quanto mais burocrático, mais custo vai gerar e pior vai ser – afirma Renata.

As novas regras também trazem o limite de R$ 10 milhões para os projetos, que será ampliado em 50% caso eles sejam realizados nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Os cachês de artistas e modelos solo não poderão exceder R$ 30 mil, enquanto a remuneração de grupos ficará limitada a R$ 60 mil. No caso das orquestras, o valor será de R$ 30 mil para o maestro e R$ 1,5 mil por músico. Esse teto já tinha sido estabelecido pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) em 2013. Renata Borges, produtora de musicais como “Cinderela” e “Peter Pan”, vê problemas à vista.

– O teatro musical tem necessidades especiais. Temos maestro, orquestra. O teto de R$ 10 milhões não faz a conta fechar. Um projeto que ficará seis meses em cartaz pode precisar de mais do que isso. Cada caso deveria ser analisado individualmente – questiona a produtora. – Esse teto pode ser ampliado para projetos voltados a regiões como Nordeste, mas e os teatros de lá? Há funcionários suficientes? Todos nós queremos viajar, mas como fazer? O buraco é mais embaixo.

Para Carla Camurati, cineasta e ex-presidente do Teatro Municipal, o teto dos cachês pode atrapalhar a música clássica.

– Uma ópera, por exemplo, precisa de uma voz específica, alguém especial. Nesse caso, pode ser um problema. Enfim, o dia a dia vai mostrar os problemas, mas só o fato de o ministério estar se propondo a realizar transformações é algo bom. Antes, estava difícil para todo mundo – diz Carla.

Em relação aos ingressos, serão mantidas as regras de 30% de gratuidade e de 20% das entradas limitadas a R$ 50 (valor do vale-cultura). Os demais ingressos deverão ter um preço médio de R$ 150.

O secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, José Paulo Martins, destacou que a nova regulamentação foi debatida com órgãos de controle, como a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU), e recebeu contribuições de produtores. Ele destacou que a partir de agora serão dadas prioridades de análise aos projetos já admitidos na primeira etapa e que consigam captar 10% do valor total. A expectativa é de reduzir em 60% o volume de trabalho nessa área. As exigências prévias para apresentação das propostas também vão aumentar.

6 CAPÍTULOS DE UMA HISTÓRIA

1 – Etapas para aprovar um projeto, da inscrição à execução

A avaliação de um projeto é dividida em etapas. Antes, elas eram: inscrição, análise técnica, análise da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) e, dependendo do resultado, aprovação e autorização (do Ministério da Cultura) para captar recursos. Agora, o proponente deve provar sua capacidade de atrair investimentos. Após a admissão (inscrição e análise técnica), ele é autorizado a captar 10% do valor total do projeto. Só segue adiante (para a CNIC) se conseguir, primeiro, levantar esse percentual.

2- Descentralização de recursos, hoje concentrados no sul e no sudeste

Segundo o MinC, 80% dos projetos incentivados pela Rouanet estão no Sudeste. Com a intenção de mudar isso, propostas a serem realizadas integralmente no Nordeste, Norte e Centro-Oeste terão teto de captação 50% maior (R$ 15 milhões cada). Produtores que atinjam o limite de R$ 40 milhões em diferentes projetos poderão apresentar novas propostas (num total de R$ 20 milhões) se forem para essas regiões. Outros benefícios serão dados nesses locais. Antes, não havia diferenciação.

3- Movimentação de dinheiro público e prestação de contas

Os recursos poderão ser movimentados por cartão, transferência e saques de até R$ 1 mil por dia. A movimentação poderá ser acompanhada on-line.

A prestação de contas também passa a ser on-line, ficando disponível no Portal da Transparência. Antes, os saques eram de até R$ 100 por dia, não havia cartões, e eram aceitos cheques. Já a prestação de contas era toda manual. E os documentos, enviados fisicamente ao MinC, onde há hoje 18 mil prestações de contas em aberto.

4- Teto máximo de dinheiro a ser captado por projeto inscrito na lei

Só será possível captar, via Rouanet, o máximo de R$ 10 milhões por projeto (se o custo for maior, o restante do dinheiro terá que ser obtido de outras maneiras). A exceção são propostas da área museológica e instituições com planos anuais. Estas não terão limite de valor. Outra mudança implantada agora é que cada proponente poderá captar um total de, no máximo, R$ 40 milhões nos diferentes projetos que possa vir a ter contemplados, ao longo de um ano.

5- Limite de preços, cotas e lucro por projeto

A nova regra estipula valor médio máximo de R$ 150 por ingresso, livro ou outros produtos culturais. O valor equivale a três vezes o benefício do vale-cultura. Permanece a determinação de que 30% desses produtos sejam distribuídos gratuitamente, e que 20% tenham preço limitado ao valor do vale-cultura (R$ 50). Antes, o valor médio máximo era de R$ 200. A receita bruta de cada produto cultural incentivado não poderá superar o valor do incentivo fiscal. Antes, não havia limite de lucro.

6- Teto para cachês artísticos e alterações em itens do orçamento

A Instrução Normativa incorpora ao texto da lei algo que antes era exigência da CNIC: cachê de artista (ou modelo solo, em produções de moda) não pode passar de R$ 30 mil. Para grupos artísticos ou de modelos, o teto é de R$ 60 mil. No caso de orquestras, é de R$ 1,5 mil por músico e até R$ 30 mil por maestro. Valores maiores dependem de aprovação da CNIC. A partir de agora, itens do orçamento poderão ter valores alterados em até 50% sem autorização do MinC. Antes, o limite era de 20%. Tudo isso, claro, sem ultrapassar os tetos.

* com informações da Agência O Globo