Em tempos onde a música é apenas um indicador de tendência de ocasião, presenciar um show como o do Wilco chega a ser um alento. E o cenário para celebrar o fato de que música importa, sim, não poderia ter sido melhor: o mítico Circo Voador, que recebeu ao longo de duas horas e meia – ou 29 músicas (!), o que já podemos considerar um dos melhores shows do ano.

O público carioca fez uma imersão na trajetória de duas décadas de composições inspiradas, que transitam do folk ao rock alternativo, até as influências de country rock à adição de elementos experimentais, desvendando muitas bandas em uma, integridade e sensibilidade intactas. O reencontro após 11 anos, desde a primeira e única passagem pelo Rio até então, teve início ao som de “Random name generator”, em uma bela recepção.

Depois das boas-vindas, o sexteto emenda sem piedade com a agridoce “I am trying to break your heart”, deixando a audiência insana, seguida da cool “Art of almost” e pela catártica “Misunderstood”. Como a arte de fazer setlist ensina, depois de entregar todas essas belezas logo no início da apresentação, o frontman Jeff Tweedy avisa que era hora de mostrar as músicas do novo álbum, “Schmilco”, lançado em setembro. A seleção não decepcionou, considerando a intimidade do pessoal com as faixas novas “If I ever was a child”, “Cry all day” e “Someone to lose”.

A banda não é muito de interação, mas Tweedy não economizou nos cumprimentos, sempre tirando o inseparável chapéu para o público (certamente com trocadilho) ou mandando um “Obrigado” de vez em quando. Mas a reserva da banda era convertida em uma sequência matadora de canções, passeando pela delicadeza desconcertante de “Via Chicago”, o suspense de “Bull Black Nova”, a bela e melancólica “Jesus, etc”, o lirismo de “Hummingbird” ou a leveza pueril de “Heavy metal drummer”. Definir pontos altos do show acaba sendo uma tarefa muito subjetiva.

Por outro lado, vale a menção à participação do público, cúmplice da banda ao longo de toda a apresentação. Deu gosto de ver que até os smartphones foram deixados de lado, considerando a onipresença desses dispositivos em qualquer show. Afinal, era válido aproveitar cada instante por conta própria, e não por intermédio de uma tela. E não bastou conhecer as letras das músicas, era necessário vocalizar os solos, as linhas de teclado, os efeitos, enfim, tudo o que podia ser acompanhado na cantoria, foi com fervor.

Mas uma pessoa da plateia em especial teve seu momento de glória. Durante o primeiro bis, um cartaz foi aberto no palco, no que poderia ser um simples pedido de música. De repente, um rapaz, o Cesar, juntou-se a banda, empunhou uma guitarra dada pelo próprio vocalista e acompanhou “California stars” com os ídolos, concretizando o que muitos gostariam de fazer: dividir o palco com a banda do coração. Boa, Cesar!

O Wilco ainda teria fôlego para um segundo bis, sem concessões, com “Spiders (Kidsmoke)”, e seus mais de dez minutos, em um final apoteótico. Naquele momento, todos estavam certos de que haviam participado de um show memorável, onde a fé no rock definitivamente pôde ser renovada.

WILCO, Circo Voador, Rio de Janeiro
06 de outubro de 2016
Setlist

Random Name Generator
I Am Trying to Break Your Heart
Art of Almost
Misunderstood
If I Ever Was a Child
Cry All Day
Someone to Lose
Via Chicago
Bull Black Nova
Impossible Germany
Hummingbird
Handshake Drugs
Pot Kettle Black
Theologians
Ashes of American Flags
Locator
Pickled Ginger
Forget the Flowers
Box Full of Letters
Heavy Metal Drummer
I’m the Man Who Loves You
We Aren’t the World (Safety Girl)
The Late Greats

Bis 1
Jesus, Etc.
California Stars
Red-Eyed and Blue
I Got You (At the End of the Century)
Outtasite (Outta Mind)

Bis 2
Spiders (Kidsmoke)