Se a internet 4G por fim materializou o vaticínio de Warhol, convertendo qualquer um em potencial celebridade instantânea, chamar atenção num festival de música lotado por 60 mil estrelas — e número similar de smartphones — requer rebolado. Fossem menos ou mais experientes, os artistas sobre os cinco palcos musicais do NOS Alive, que terminou na madrugada de ontem no Passeio Marítimo de Algés, em Oeiras, à beira-Tejo, parecem ter entendido a missão. Na última noite, quem mostrou mais repertório e domínio de palco (Eddie Vedder, do Pearl Jam), mais gogó (Jack White), mais fofura (Mallu Magalhães), mais carisma (Alex Kapranos, do Franz Ferdinand) e mais sintonia com o público (os luso-angolanos Throes + The Shine) superou a dificílima batalha para terminar seu show com pelo menos metade da plateia preenchida.

Aos 53 anos, Vedder venceu a guerra inteira. Como uma metralhadora sem controle, encadeou hits seus (“Jeremy”, “Better man”, “Evenflow”, “Daughter”) e de medalhões como Pink Floyd (“Interstellar overdrive”) e John Lennon (“Imagine”); falou de violência contra a mulher em Portugal, citou e exaltou Barack Obama e atacou a desigualdade de renda no mundo rico, falou em inglês, falou em português como pôde — “estamos felizes ‘para’ vos ver” — e não desceu do palco antes das duas horas e vinte de espetáculo, o mais longo do festival.

Conseguiu lotar completamente o gigantesco espaço diante do palco principal, por onde já haviam passado Alice in Chains, Franz Ferdinand e Jack White, e que ainda teria MGMT naquela madrugada.

Com sua voz e seu domínio de cena, White igualmente saiu ovacionado (e ainda voltou para canja durante o concerto do amigo Eddie Vedder). Já o Alice in Chains e o Franz Ferdinand, apesar de prejudicados pelos horários tão inglórios de suas apresentações (a partir das 18h), também tiveram performances potentes. E o MGMT transformou o gramado, já bastante vazio, numa feliz pista de dança até quase de manhã. Mas ninguém deixou impressão de terra arrasada como o Pearl Jam.

No palco Sagres (o segundo maior do NOS Alive), a paulistana Mallu Magalhães fez o seu, até aqui, show mais ambicioso em terras lusas. Prejudicada por um microfone mal equalizado, a princípio, e por uma voz que teimava em não obedecer, depois, compensou com meiguice — “é tão, tão, tão bom estar aqui, estou tão feliz!” — e uma sucessão de canções conhecidas pela jovem plateia, principalmente as oriundas dos seus dois últimos discos, “Vem” (2017) e “Pitanga” (2011), e do disco que lançou pela Banda do Mar, empreitada luso-brasileira que levou a cabo com o marido, o carioca Marcelo Camelo, e o músico lisboeta Fred Pinto Ferreira.

— O som está muito ruim, não estou a perceber o que ela diz, mas curto mesmo assim — disse o estudante Pedro Miranda, de 27 anos.

— As músicas dela falam de amor e desamor de uma forma próxima e humana — elogiou a médica veterinária Isabel Abrantes, de 25.

— Ela é fofa — fechou a questão João Marcelo Reis, publicitário de 31.

“Velha e louca” e “Você não presta”, ambas do mais recente disco, o mesmo que ela levará ao Brasil em nova turnê em agosto, foram as mais aplaudidas pelos fãs fiéis que ainda resistiam e ocupavam o plateia, sob o ataque do duo de synthpop inglês Monarchy no experimental cenário Clubbing, ao lado, e com o início iminente do Pearl Jam.

Não que esses fossem os únicos inimigos de Mallu naquele momento. As filas dos estandes dos patrocinadores, com atrações que giravam basicamente em torno de selfies e vídeos personalizados e até mesmo a gravação de um single em vinil por aqueles entre os espectadores do festival que quisessem encarar os microfones de um miniestúdio — já falamos de Warhol hoje? — cresceram exponencialmente ao longo dos dias.

Felicidade geral e irrestrita. E que deve se estender por cinco anos mais, no que depender de Isaltino Morais, prefeito de Oeiras, município que pertence à Grande Lisboa.

— Estes cinco anos vão permitir-nos tratar das infraestruturas físicas. É importante criar melhores condições de mobilidade, acessibilidade e segurança. Estamos todos orgulhosos e satisfeitos com o nível de excelência que este festival atingiu — resumiu.

Organizador das 12 edições do NOS Alive, o empresário Álvaro Covões também celebrou.

— Tudo decorreu de forma harmoniosa — avaliou, ressaltando a importância decisiva do Pearl Jam na tarefa de mobilizar uma multidão conectada a tudo, até mesmo ao que acontece sobre os palcos: — Foi a banda que fez com que os bilhetes para hoje (sábado) e os passes de três dias se esgotassem em dezembro — elogiou.

CHOQUE TÉRMICO NOS PRIMEIROS DOIS DIAS

A primeira noite do NOS Alive, na quinta-feira passada, foi de sensações misturadas. Quentes foram os shows de Nine Inch Nails, Bryan Ferry, Khalid, Friendly Fires e do astro do fado António Zambujo.

Frios, o vento que derrubou a temperatura para menos de 15 graus e os shows de Snow Patrol e da atração principal, Arctic Monkeys. Na segunda jornada, sexta, 13 de julho, Dia Mundial do Rock, o evento mostrou por que, diferentemente de outros festivais grandiosos — como o Rock in Rio, que tem forte pegada pop —, mantém o rock como rei inconteste.

O destaque da noite ficou com Queens of The Stone Age, The National e Portugal.The Man, banda de rock psicodélico que, apesar do nome, é de Portland, nos EUA.

NOS ALIVE // Pearl Jam
14 de julho de 2018, Passeio Marítimo de Algés
Algés, Portugal