No dia a dia de quem tem na música uma parte fundamental de sua dieta, o streaming é um bufê daqueles que não poderiam existir na gastronomia real. O muito popular e o cult do cult, o novíssimo e o ancestral, o deleite total e o insuportável, virtualmente todos os estilos estão lá, à distância de um clique, para horas e horas de excursões sonoras.

Por uma assinatura irrisória (para os padrões do consumo sob demanda em tempos de meio físico), o ouvinte se livra de quase todos os limites que o cerceavam na obtenção da música que melhor case com o seu espírito no momento presente. É a satisfação no aqui, agora, como nunca antes fora possível.

Vindo de um mercado baseado na carência, em que pessoas só compravam meia dúzia de discos por mês (se muito) e ficavam reféns daquilo que as gravadoras e, consequentemente, o rádio, a TV e a imprensa o apresentavam, o streaming representou uma das maiores mudanças de paradigma da história cultural.

Por um lado, os gigantes do declinante mercado do disco tiveram que investir cada vez mais dinheiro na promoção dos seus artistas, a fim de criar estratégias para um veículo desconhecido, que ainda oferecia um retorno comercial pífio. Por outro lado, artistas bem-sucedidos no mercado de shows, ainda não absorvidos por gravadoras, encontraram ali uma eficiente e democrática maneira de ampliar seu tamanho na internet — e no mundo real, num segundo momento.

Que o streaming, em seus Spotifys e Deezers, comece a se mostrar como um modelo comercialmente viável de distribuir música — inclusive no Brasil — é uma notícia para se comemorar. Porque, por mais que o revival do disco de vinil esteja se fortalecendo como nicho, ninguém pode conceber que a posse dos fonogramas por parte do consumidor vá ser novamente a ser a melhor opção para o negócio da música.

Que se resolva a questão do YouTube com a remuneração dos criadores e que as plataformas de streaming fiquem cada vez mais atentas às necessidades (e possibilidades) dos artistas — porque esse caminho da música jorrando como água na torneira é sem volta.