Num tempo tenebroso, há quase duas décadas, pairava sobre a multinacional de origem japonesa Sony uma preocupante suspeita: a de que seus negócios com hardware (a fabricação de copiadores de CDs e dos CDs virgens) estariam sendo conduzidos em conflito com outro: o da própria produção de música.

Trocando em miúdos: a gravadora Sony, detentora dos direitos de “Thriller”, de Michael Jackson — o álbum mais vendido no mundo de todos os tempos e uma realização artística que até hoje orienta artistas dos mais diversos setores do pop — poderia ser facilmente canibalizada por sua empresa mãe, a quem interessava mais vender artefatos criados para realizar a pirataria de seu próprio catálogo musical.

Mas isso foi num tempo muito remoto de nossa era digital. Hoje, a notícia é a de que a mesma Sony vai pagar quase US$ 2 bilhões para adquirir 60% das ações da EMI, o que a transformará na maior editora musical do mundo. É o reflexo de uma nova era da indústria musical na qual as plataformas de streaming acabaram não só com a necessidade de um suporte físico (seja LP, cassete ou CD) para a venda da música, como também a da própria venda da música (as receitas do streaming, há muito, ultrapassaram as da comercialização de CDs).

Nos novos tempos, não interessa mais ao consumidor, que desfruta de uma oferta virtualmente ilimitada de música pela internet num Spotify ou Deezer, ter a posse do fonograma, mesmo que num arquivo de mp3 — ainda mais porque os serviços oferecem opções offline para que se ouça playlists e álbuns.

A indústria do vinil cresce hoje, como nicho, justamente por causa de uma realidade incontornável dos tempos atuais: a de que não existem mais limites — físicos, geográficos, temporais, estilísticos — para se ouvir a música que se quer ouvir. Cada um cria a sua própria experiência musical.

Assim, enquanto no velho mundo da comercialização de fonogramas, o catálogo da EMI — que tem mais de três milhões de canções, entre Beatles, Frank Sinatra, toda a Motown, Drake e Taylor Swift — está com a Universal Music, agora no ramo dos direitos arrecadados com execução, ele passa a ser controlado pela Sony. É onde o dinheiro realmente flui, num momento em que se ouve cada vez menos música em toca-discos e cada vez mais em tablets, celulares e videogames.

Se um “Thriller” — apogeu e glória da antiga indústria musical — vier a acontecer novamente nestes tempos, as medições de seu êxito serão muito mais complexas do que a da época dos LPs nas lojas. Mas uma coisa é certa: terá se vendido muito mais música e muito menos plástico e papel do que antes.