A psicodelia que deu novas camadas ao rock contemporâneo provou que não era mero hype. Que o digam aqueles que lotaram o Circo Voador no último sábado (3), e prestigiaram dois dos expoentes de uma cena musical que desafia quem insiste que só se tirava som bacana antigamente: O Terno e Boogarins. A dobradinha não era novidade na lona do Circo, mas já havia deixado saudade no público carioca.

O Terno trouxe o show do elogiado “Melhor do que Parece” (2016), com um plus especial, acompanhado pelo trio de metais que encorpou as músicas e criou espaço para experimentações nos arranjos, em uma experiência de show que vale muito. O setlist sagaz contemplou o repertório do álbum mais recente, mostrando que a recepção foi das melhores, com suas músicas entoadas em uníssono. Vale registrar a satisfação de ver um público jovem em uma celebração musical, que basicamente paga tributo à música brasileira.

O flerte com o samba e seu lirismo em “Orgulho e Perdão”, a nostalgia do que não vivemos a la Clube da Esquina em “Minas Gerais”, os arroubos apaixonados com um pé na Jovem Guarda de “Não Espero Mais”, a irreverência com ares de Tropicália e letras espertas na vibe dos Mutantes, em “Culpa”. E claro que no meio de tudo isso, tem o bom e velho rock, muito bem representado com a bela homenagem a Essepê de “O cinza”, que no show teve direito a uma jam raivosa.

Seria até possível brincar e deixar no ar que toda essa reverência ao que se fez de melhor na música brazuca inspirou a letra de “66”, que no show foi o arremate certeiro para o bis, mas vale ressaltar: O Terno tem o seu próprio tom.

Só esse show já valeria a noite, mas ainda havia mais. O Boogarins jogou com o apelo ao sensorial sem limites, mostrando as novidades do álbum “Lá vem a morte” (2017), onde abraçou elementos eletrônicos sem medo de experimentar. O palco é um convite à organicidade e nele as músicas novas ganharam força, ficando mais interessantes que as suas versões de estúdio.

Um show do Boogarins definitivamente não tem meio termo: ou você entra no jogo e se entrega ou não aguenta e vai embora. O quarteto não faz concessões e abusa das jams (onde abuso pode ser para o bem ou para o mal), e subverte suas composições. “Tempo”, onde genialmente brincam com a duração dos versos nos causando angústia com as pausas, foi uma ponte para “Corredor Polonês”, o que pode ter sido um tanto decepcionante (já que não foi executada na íntegra), ou uma bela sacada.

Mandar instrumentais como “San Lorenzo”, as viajantes “La vem a morte (Pt 1, 2 e 3)” e a existencial “Cuerdo”, soa como uma espécie de manifesto musical de uma banda que banca o que faz, em alguns momentos à custa do próprio show, que perdeu o fôlego na medida em que se aproximava do final.

Por outro lado, pontos ganhos como experiência de contemplação, aliada às projeções visuais e jogos de luzes, sem contar observar apenas a sinergia dos músicos, que pareciam simplesmente criar tudo naquele instante. Prova disso é que até os momentos em que os caras se estranham, como no “semiatrito” entre o vocalista, Fernando “Dinho” Almeida, e o guitarrista, Benke, sobre a inclusão de mais uma música no show, que acabou rolando “mesmo sem ninguém ter pedido bis” (como disse Benke), vê-se que no fim quem deve vencer é a música. “6000 dias” e “Doce” foram prova disso, que fizeram os presentes se esbaldarem. Mas “Lucifernandis” fez falta. Ou não.

Setlist – O Terno

A História Mais Velha do Mundo
Não Espero Mais
Deixa Fugir
Lua Cheia
Eu Confesso
Depois Que a Dor Passar

O Orgulho e o Perdão
Bote Ao Contrário
O Cinza
Volta
Minas Gerais
Vamos Assumir
Culpa
Ai, Ai, Como Eu Me Iludo
Melhor do Que Parece

Bis:
66

Setlist – Boogarins

6000 dias (Ou Mantra dos 20 Anos)
Elogio à Instituição do Cinismo
FoiMal
San Lorenzo
Cuerdo
Doce
Tempo
Corredor Polonês
Lá Vem a Morte, Pt. 2
Lá Vem a Morte, Pt. 1
Onda Negra

Bis:
Falsa Folha de Rosto
Auchma