Charles Aznavour, o último dos grandes nomes da canção francesa do século XX, morreu na madrugada desta segunda-feira, aos 94 anos, em sua casa em Apilles, no sul da França.

Com mais de 80 de carreira, eleito pela CNN o Entertainer do Século, ele disse à televisão francesa na última sexta-feira que gostaria de morrer cantando: “Estou feliz no palco, e isso é óbvio”. Dez anos atrás, em entrevista ao jornal “Público”, de Portugal, ele avisava: “Não vou abandonar a vida. A vida é que me vai abandonar. Esse é que é o problema”.95 anos, em 2019.

Um braço quebrado, em maio, fez com que tivesse que cancelar shows. Mas no último dia 17, lá estava ele no NHK Hall, em Tóquio, sendo aplaudido de pé. O Brasil (onde em 2017, aos 92, ainda dava suas corridinhas no palco) estava na rota da turnê de comemoração de seus.

Remanescente de uma era de ouro da chanson, cantor que se apresentou em boa parte do mundo e que vendeu mais de cem milhões de discos, Charles Aznavour nasceu em Paris, em 22 de maio de 1924, e foi batizado Shahnour Varinag Aznavourian. Seus pais, que haviam fugido da guerra genocida na Armênia, tinham um restaurante que fechou nos anos 1930 devido à crise econômica. A penúria empurrou o menino, aos 9 anos, para uma carreira de cantor e comediante no Théâtre du Petit Monde.

Ao longo da Segunda Guerra Mundial (na qual seus pais teriam ajudado judeus e comunistas a se esconderem dos nazistas), Aznavour conheceu o pianista Pierre Roche, com o qual passou a cantar em cabarés e que lhe despertou o gosto pela composição (ele faria mais de 1.400 canções).

Depois da guerra, a dupla foi descoberta pela grande dama da canção francesa, Edith Piaf, que os levou em turnê pelos Estados Unidos e Canadá e gravou canções de Aznavour. O cantor passou oito anos trabalhando com Piaf — os dois nunca foram amantes, ele garantiu, mas isso não evitou que fosse vítima do ciúme da cantora: ao ter uma canção rejeitada por ela, foi oferecê-la à musa existencialista Juliette Gréco. Quando Piaf mudou de ideia e perguntou pela composição, ficou enfurecida ao descobrir que ela já tinha outra dona. De qualquer forma, foi ela quem mais deu força para que Aznavour se lançasse como cantor.

DEMORA DO SUCESSO

O primeiro disco, “Charles Aznavour chante… Charles Aznavour”, saiu em 1953, mas o primeiro sucesso só viria três anos depois: “Sur ma vie”, seguido de “Je m’voyais déjà”, na qual ele falou da decepção com a demora da notoriedade: “Ainda não tive a minha oportunidade/outros a conseguiram com pouca voz mas muito dinheiro”.

Em 1963, o cantor alugou o Carnegie Hall, em Nova York, para uma apresentação que teve casa lotada (na plateia, estava Bob Dylan, que mais tarde disse ter sido aquele um dos maiores shows que havia visto). Nos anos seguintes, apresentou-se muitas vezes naquele país (algumas com Liza Minnelli) e fez temporadas em Las Vegas.

Voz de hits mundiais como “She” (gravada posteriormente por Altemar Dutra e Elvis Costello, este para a trilha do filme “Um lugar chamado Notting Hill”), “The old fashioned way” e “La Bohème”, Charles Aznavour se tornaria um dos expoentes da chanson francesa — de músicas fáceis de escutar com letras vívidas, ricas em histórias, emoção e humor. Canções que retratavam realidades — mesmo aquelas que muitos prefeririam ignorar.