Se os caras do Arch Enemy tivessem visto o show do Kreator do meio da plateia antes de subir no palco, teriam se dirigido ao DP para dar baixa na carteira na hora. Porque a devastação causada pela banda alemã na noite desta sexta (16/11), no Liberation Festival, no Circo Voador, com a anuência do púbico, é desanimadora para quem vem depois. Mas o Arch Enemy, em vez de refugar, parte pra cima em uma apresentação vigorosa, sob o comando de dois guitarristas endiabrados e particularmente inspirados nessa noite. Tanto que os dois juntos, na beirada do palco, um de costas para o outro, cada qual debulhando as seis cordas sem dó, é praticamente a foto oficial do show. E – registre-se – com o som em volume estratosférico, como deve ser em um espetáculo de heavy metal.
Metal em uma de suas vertentes mais extremas e também improvável, ou alguém imaginou, antes de acontecer, que o peso absurdo e os vocais rasgados do death metal admitiria uma fusão com as guitarras açucaradas do metal melódico? Pois aconteceu e cabe ao monstruoso Michael Amott propalar como poucos o segmento, lhe dando notoriedade e incrível credibilidade técnica. Cascudo, Amott é fundador do Carcass, do Carnage e do próprio Arch Enemy, além de ter se metido em formações as mais diversas do metal extremo e, desde o final de 2014, tem como parceiro Jeff Loomis, de serviços prestados ao Nevermore. No show de 2015, nesse mesmo Circo Voador, já tinha sido assim, mas agora eles parecem ter apurado um entrosamento de cair o queixo.
Em “You Will Know My Name”, um petardo colante vocacional, o público logo se encaminha para um “ôôô” que parece óbvio, enquanto as guitarras trabalham em um segundo plano até que o duelo de solos, com Loomis dando uma de Eddie Van Halen, apontem para o tal desfecho. “As The Pages Burn”, mais porrada, parece um clássico de longuíssima data, dada a cantoria do público em seguida ao verso/refrão, e tem também Michael Amott versus Jeff Loomis em grande estilo. No bis, é Loomer quem começa um solo meio dedilhado, até que Amott aparece com um belo fraseado de guitarra, um trecho que seduz mais pelo choro da guitarra do que pelo esporro fugaz contido em uma banda de death metal, mesmo melódico. O cascudo baixista Sharlee D’Angelo, quase irreconhecível, com uns quilões a mais, e o baterista e integrante fundador Daniel Erlandsson voltam ao palco, e o show se encaminha para o final.
Mas ficar falando desses barbados quando se tem a pequerrucha de cabelos azulados Alissa White-Gluz cuspindo tijolos sem parar durante todo o show é covardia. Da última vez ela também fazia a estreia na banda, e, se carregava alguma insegurança, agora é dona do palco com escritura e RGI nas mãos. Além das vocalizações em si, participa coreografando cada parte instrumental com a naturalidade que só o tempo fornece. E aí ponto para a banda que consegue manter essa formação, e não por acaso a maior parte do material é de músicas dos discos mais recentes, “War Eternal” (2014) e “Will to Power” (2017), ambos com Alissa no comando. Resta sabe como aquele par de pulmões acanhados consegue segurar tal onda, já que as cordas vocais devem e estar no limite há tempos.
Para os saudosos da pioneira Angela Gossow, restam petardos como “My Apocalypse”, uma das melhores da noite, que o público reconhece de cara, aos brados e num pula-pula sem fim, e “Ravenous”, logo a segunda, já convertida para o Alissa style; se é que, a essa altura, dê pra perceber a sutil diferença. Mas o disco novo já caiu nas graças do público. É o que passa recibo músicas como “The Race”, uma impiedosa traulitada cujo título antevê a situação caótica do salão, e “The World Is Yours”, cujo mérito maior é abrir o show em situação de arrombamento dos portões dos quintos dos infernos, embora cole nos ouvidos de primeira. Ambas já de pleno conhecimento e adesão por parte do público, em uma sintonia não só maior que a que existe entre Amott versus Jeff Loomis. Que dupla! Que dupla!
Por conta de uma tempestade de neve que causou o cancelamento de voos na Costa Leste dos Estados Unidos, a vocalista do Walls of Jericho, Candace Kucsulain, não conseguiu chegar no Rio e o show da banda foi cancelado (ela já chegou em São Paulo e o show no Liberation Festival de lá segue confirmado). Com isso, o Excel teve um tempinho a mais para se apresentar, na abertura do festival. O grupo é aquele mesmo que fez fama no final dos anos 80/início dos 90, e que voltou à ativa há uns seis anos. Com certa insegurança, mas mantendo a pegada do crossover típico da época, o quarteto arrancou aplausos do público como se banda nova fosse, mais em um clima de contemplação do que da agitação que se veria com as atrações de fundo.
Com o som mal equalizado, o início realça mais o trabalho do baixista Shaun Ross em detrimento do guitarrista Alex Barreto, que só aparece da metade para o final da noite, mesmo porque o baixo sempre foi muito forte na banda, cujo som se assemelha por demais com o do Suicidal Tendencies e afluentes, incluindo o Infeccious Gooves. É o que se vê em músicas como “Split Image”, título disco clássico da banda, de 1987, e de onde sai a maior parte do repertório do show, e “Your Life”. O grupo cresce com músicas em que as mudanças de andamento brilham – é crossover anos 90, né? -, caso de “I Never Denied”. “Shadow Winds” é a única nova, que pode entrar em um disco de inéditas, contudo pouco apresenta de atual, embora desemboque na parte final do show, onde o público enfim se anima em rodas de dança. A conferir.
Arch Enemy, Liberation Fest
Circo Voador, 16 de novembro de 2018, Rio de Janeiro
1- The World Is Yours
2- Ravenous
3- Stolen Life
4- War Eternal
5- My Apocalypse
6- The Race
7- You Will Know My Name
8- The Eagle Flies Alone
9- First Day in Hell
10- As the Pages Burn
11- We Will Rise
Bis
12- Avalanche
13- Snow Bound
14- Nemesis/Fields of Desolation
* texto de Marcos Bragatto, do site Rock em Geral
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