Foi a última noite da turnê do terceiro disco de Cícero. Foi uma sexta-feira 13, de clima agradável e muita expectativa. Foi uma abertura visceral da banda Ventre. Foi uma experiência sonora cheia de nuances e memórias da atração principal. Foi de visível felicidade entre os integrantes da banda (oficialmente nomeada durante o show) “Albatroz”. Mas tudo isso, explico mais adiante. Por enquanto fiquemos com a abertura da banda Ventre.
Recebendo elogios por onde tem passado, essa lindeza de trio conta com Larissa Conforto (bateria), Hugo Noguchi (baixo) e Gabriel Ventura (guitarra e vocal) e disco homônimo, bastante interessante, lançado em 2015. Um público animado recebeu muito bem as três primeiras canções, para em seguida dar lugar ao impacto do que estavam assistindo. Vez ou outra, aplausos efusivos. Aqui e ali, um grupo de fãs destacados cantavam as músicas dessa apresentação que parecia ser só sensação de urgência, de honestidade. Com direito a tietagem, Larissa transpirava força. Gabriel, cuja guitarra rasgava seu vocal melancólico, junto a ela fizeram comentários esparsos ao longo das músicas, e com Hugo entregaram uma apresentação digna de algo perto do visceral. Distorções, efeitos, e uma cama preparada para a cozinha musical da grande atração da noite.
Por volta de meia noite e vinte, Cícero e sua banda entraram para receber uma plateia que encheu a lona do Circo. Chegou devagarzinho, com poucas palavras. E foi logo com o primeiro acorde, com o som de “O bobo”, que as pessoas deixaram claro que estavam sedentas por cantar a força e a simplicidade das composições do músico. Na sequencia entra “Tempo de Pipa”, “hit” do primeiro disco, cantado com prazer, principalmente no refrão, como aconteceria em todas as músicas que vieram na sequência. Importante pontuar o quanto a energia e a química entre os músicos e o público foi mágica. Uma espécie de conexão que só ocorre quando existe tempo de maturação e digestão de ambas as partes. Essa constatação aqui sobrou, deixou clara a satisfação nos olhos dos que acreditavam nas palavras que cantavam.
“O mundo vai nascer de novo…”, finalizou Cícero para introduzir um “A Praia”, cheia de euforia funda, e de “canções de amor (que) inventam o amor”. “De passagem”, chegou devagar e foi crescendo. Em seguida “Vagalumes Cegos” tomaram conta dos pulmões que sopravam letras em sincronia com a voz suave de Cícero. “É o último…”, lembra o músico antes de introduzir “Ela e a lata”, música do segundo disco, Sábado. “Camomila” segue pedindo “só um pouco de paz pra levar, pro dia passar bem”. Na sequencia, “Isabel (carta de um pai aflito)” parece expressar muito bem o que aquelas pessoas faziam ali, dispostas a fazerem como Isabel, como aqueles músicos, e tentarem entender que “a vida só vai melhorar aí dentro da sua cabeça”. Bem aqui, no meio do show, Cícero declara que reservou surpresas para a noite e anuncia um quarto e novo disco, a ser gravado esse ano, e que a partir desse disco, a banda que o acompanhou nessa turnê, estará presente nessa que parece ser a nova formação escolhida para as próximas composições: Cícero e os Albatroz! De acordo com o próprio Cícero, a banda seria como essa ave, superlativa, por isso achou melhor o termo, do que algo como “The Pegasus, The Cíceros”, brincou.
Na sequencia emendou a música que leva o nome da “nova” banda, para em seguida anunciar mais uma surpresa, dessa vez uma inédita, que entrará no próximo álbum. Pela apresentação, tudo indica que esse momento inspirado do terceiro disco pode acabar extravasando para o quarto. “Açúcar ou Adoçante”, do primeiro disco, segue com a plateia aos berros, cuspindo com força: “Mas se você quiser/Alguém pra anular/Ainda/Desculpa, não vai dar/Não vou estar/Te indico alguém”. “Ponto Cego” entra deixando um astral gostoso no ar, astral de “sexta-feira, amor”! “Fuga nº 3 da Rua Nestor”, termina em meio às palmas e já segue com “Capim-Limão”. “Duas Quadras” e “Soneto de Santa Cruz” surgem na sequência, e já se aproximando dos minutos finais, destaque para a importância dessa apresentação para Cícero e os músicos da, agora, Albatroz.
O músico aponta para a plateia e agradece a presença de sua família (“mãe, pai, irmã, cunhado, papagaio…”), enquanto em diversos momentos a banda que acompanhava o músico se divertia com brincadeiras, sorrisos e satisfação estampada nas “performances” de cada um. “É muito simbólico encerrar a turnê no Circo Voador, onde já toquei tantas vezes desde que comecei, com a banda em diferentes formações, oficializando essa formação que, até hoje, foi a que me deixou mais feliz. É como se o Circo sempre desse força para a próxima fase, para o próximo passo”, prenunciaram as palavras do próprio Cícero, na página do evento. “Porta, Retrato”, vai deixando tudo com gosto de saudade, que se confirma na palavra cantada com força por Cícero (e todo mundo que estava ali) ao longo de “Terminal Alvorada”. “Faz um tempo eu não sei o que é saudade…”, canta o músico parecendo estar satisfeito com o que construiu até aqui em termos de trajetória.
A plateia decide pedir pelo único bis da noite, “Ensaio sobre ela”. Cerca de uma hora e meia depois de começar, o show termina. São aproximadamente uma e quarenta da manhã. Uma noite mágica para os músicos, assim como para os fãs. A saudade já desponta no horizonte dessa praia. Depois disso, “tudo foi desbotando até desaparecer”.
Colaborou: Alékis Moreira
CÍCERO
Circo Voador, Rio de Janeiro
13 de janeiro de 2017
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