O instrumental do grupo irlandês Cranberries não trazia muito de diferente do que se ouvia, nos anos 1980, em muitas das grandes bandas do rock britânico – os Smiths, especialmente. O grande trunfo do grupo estava na voz, nas letras e, algumas vezes, nas composições da vocalista Dolores O’Riordan. Sua entrega emocional nas canções e um canto ao mesmo tempo delicado e exuberante foi decisivo para que aqueles quatro adolescentes da pequena cidade de Limerick se tornassem uma das maiores bandas do rock alternativo dos da última década do século XX, com mais de 40 milhões de discos vendidos.
Foi aos 18 anos de idade, em 1990, que Dolores se juntou ao grupo que os irmãos Mike (baixo) e Noel Hogan (guitarra) tinham fundado um ano antes com o baterista Fergal Lawler. A união deu resultado. “Everybody else is doing it, so why can’t we?”, o álbum de estreia, de 1993 (feito com Stephen Street, produtor dos Smiths) trouxe os hits “Dreams” e “Linger”. “No need to argue”, de 94, foi adiante com “Zombie” (o maior sucesso do grupo, recentemente sampleado pelo rapper Eminem em “In your head”) e “Ode to my family”. “To the faithful departed” (1996) fez sucesso com o agitado rock “Salvation” e “Bury the hatchet” (1999) se destacou por “Promises” e “Just my imagination”.
Em 2003, o grupo anunciou que se separaria, para que seus integrantes tocassem projetos individuais. Dolores lançou dois álbuns solo, “Are you listening” (de 2007, que ela chegou a mostrar em shows no Brasil) e “No baggage” (de 2009 – quando os Cranberries anunciariam sua volta, para uma turnê americana).
Em 2010, o grupo fez seus primeiros shows no Brasil. “Adorei quando estive aí para meus shows solo, acho a plateia sul-americana muito emocionante, quente, expressiva”, disse Dolores ao GLOBO, à época.
Em 2012, a cantora revelou ao inglês “Telegraph” ter sofrido bastante nos tempos de grande sucesso dos Cranberries: “Eu era tão famosa que não conseguia sair do quarto de hotel. Lembro de olhar para todos os fãs, pela janela, e me sentir muito isolada”. Em 1994, ela se casou com Don Burton, ex-gerente de turnês do grupo Duran Duran, e teve três filhos com ele: Taylor Baxter, Molly Leigh e Dakota Rain. O casal se separou em 2014, ano em que Dolores agrediu uma comissária de bordo e um policial num ataque de raiva, num voo entre os EUA e a Irlanda. Logo em seguida, ela foi diagnosticada com transtorno bipolar.
A morte de Dolores foi anunciada ontem, de forma sucinta, pela sua assessoria, sem revelar causa: “A cantora da banda irlandesa Cranberries estava em Londres para uma curta sessão de gravação. Nenhum outro detalhe está disponível. Os familiares estão arrasados com a notícia e pediram privacidade nessa hora difícil”. Dolores tinha 46 anos. Em abril passado, o grupo lançou o álbum “Something else”, com regravações acústicas de seus sucessos e três inéditas. Paralelamente, a cantora seguia com o projeto D.A.R.K., junto com Andy Rourke (baixista dos Smiths), com o qual lançou em 2016 o álbum “Science agrees”.
A notícia da morte de Dolores repercutiu no mundo da música. O cantor irlandês Hozier escreveu no Twitter: “A primeira vez que ouvi sua voz foi inesquecível. Ela pôs em questão a forma como uma voz poderia soar num contexto de rock. Nunca ouvi ninguém usar o seu instrumento dessa forma”.
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