O Pantanal Matogrossense é, segundo a Wikipédia, uma “grande e relativamente complexa planície de coalescência detrítico-aluvial”. Bom, “grande”, é fácil: são 250 mil quilômetros quadrados de extensão, que se espalham por Brasil, Bolívia e Paraguai; “complexa”, inevitável: só de aves, são 650 espécies, desde o badalado tuiuiú até jaçanãs, emas e colhereiros. No meio disso tudo, há pessoas. E foram elas que a secretaria de Cultura do Mato Grosso do Sul foi ouvir para pensar na curadoria do Festival América do Sul Pantanal (Fasp), que começa nesta quinta-feira (dia 24 de maio) sua 14ª edição.
— Antes, o festival era uma espécie de nave espacial que pousava na cidade — compara o secretário de Cultura Sul-Matogrossense, Athayde Nery. — Agora fomos ouvir as pessoas, saber o que elas queriam ver, onde queriam, fazer o evento com a participação de todos. Por exemplo, há bairros mais pobres de Corumbá que não tinham programação, e agora terão.
E “todos”, no caso dele, mesmo que não inclua os jacarés, sucuris e emas, é bastante gente.
— Somos a segunda maior população indígena entre os estados brasileiros, com oito etnias diferentes — enumera ele. — Existe a matriz portuguesa, claro, e os nossos irmãos do Paraguai e da Bolívia, que estão ali mesmo, do outro lado do rio. O Brasil é muito virado para o Atlântico, temos que pensar no Pacífico também.
Levando em conta toda essa pluralidade, povo e instituições diversas envolvidos no festival montaram a grade, que tem grandes nomes da música brasileira como Martinho da Vila, Daniela Mercury e Criolo, e um Rock in Rio de atrações locais e de vários cantos do continente, como o Circo Medellín, da Colômbia, entidade sem fins lucrativos voltada para a cultura cidadã, o Balé Municipal de Puerto Quijarro, da Bolívia (a cidade vizinha também receberá atrações, assim como Ladário, no lado brasileiro) e Rolando Chaparro, astro paraguaio que faz pop-rock com raízes na música folclórica de seu país. Um dos espetáculos mais esperados é a montagem de “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, assinada pelo encenador boliviano Diego Aramburo.
— São 200 atividades culturais em 17 horas diárias de programação — anuncia o secretário. — Os dez países do continente estarão representados, em cultura, arte, palestras e negócios. Cada real investido movimenta sete reais na economia, é claro que estamos pensando nisso também.
Segundo Athayde, que é advogado e poeta, com livros publicados, o Fasp se baseia no conceito da cidadania cultural.
— Pensamos em três pilares: o respeito, a democracia e a paz – começa ele. — Primeiro, estamos pensando nos direitos humanos; depois, numa construção de pensamento que passe por todos os segmentos, como faremos nos encontros de quilombolas, nas manifestações indígenas e no candomblé; e a paz ajuda a construir essa cidadania cultural, é uma forma de enfrentar esse conceito de barbárie que se tornou corriqueiro ultimamente.
Texto de Bernardo Araujo, distribuído pela Agência O Globo
* Bernardo Araujo viajou a convite da organização do Festival América do Sul Pantanal
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