Quando encerrou, por volta das 23h, seu primeiro show na capital paulista em cinco anos, a banda americana Red Hot Chili Peppers não deixou o palco do Lollapalooza com a sensação, para o público, de que fez uma performance histórica. Mas, se a noite não foi das mais empolgadas por parte do vocalista Anthony Kiedis, o quarteto ao menos tentou coisas diferentes em relação ao que foi mostrado no Rock in Rio, em setembro passado, e deixou a multidão que tomou o palco principal do Autódromo de Interlagos ao menos satisfeita.
Em show sóbrio, de poucas interações com os fãs, canções lado B como “Aeroplane” e “Pea” e os clássicos “Blood sugar sex magik” e “The adventures of rain dance Maggie” entraram em um repertório mais extenso e trabalhado em relação ao apresentado no Rio.
Com Kiedis pouco inspirado, sobrou para o elétrico baixista Flea e o baterista Chad Smith brilharem em longas jams salpicadas no groove. Teve espaço até para um momento de holofotes voltados para o guitarrista Josh Klinghoffer, que arriscou – em um português para lá de razoável – um Jorge Ben Jor na íntegra (“Menina mulher da pele preta”). O percussionista brasileiro Mauro Refosco, colaborador constante dos californianos, ainda deu o ar de sua graça em “Hump de bump”. Uma performance que, diante do numeroso e empolgado público, renova o status (cada vez mais raro) de banda de arena dos Chili Peppers.
No extremo oposto ao vocalista dos headliners estava o quase cinquentão James Murphy, a cara e a voz do LCD Soundsystem, que tal qual um líder de culto soube hipnotizar seu rebanho pouco antes, no palco ao lado, transformado em uma grande boate indie.
Regressos de uma pausa de cinco anos, Murphy e seus comandados, que se dispõe praticamente amontoados na parte central do palco, mostraram em São Paulo que são avessos ao fácil: a performance tem como foco levar ao público o melhor som possível, com linhas de sintetizadores lançadas ao vivo pela maga Gavin Rayna Russom, grave no talo, bolo de percussões, sem interações ou gracinhas. Punk e dançante na medida certa. No repertório, faixas do álbum mais recente, “American dream” (2017) – “Call the police”, “Tonite” – harmonizaram com clássicos como “Daft Punk is playing at my house”, “I can change” e “All my friends”, hino com o qual o LCD Soundsystem se despediu dos fãs devidamente entorpecidos.
O grupo americano, aliás, ajudou a promover uma improvável dobradinha de performances que soa difícil de ser batida nos próximos dois dias de Lollapalooza. Parte do público, inclusive, perdeu o início da apresentação porque ainda tentava se locomover e se recuperar da energia e da carga emocional que Chance the Rapper descarregara pouco antes, no palco principal.
Aos 24 anos, Chance já se mostra um artista completo: despeja rimas rápidas e afiadas como um bom rapper quando precisa e sabe soltar a voz como crooner de r&b em outros momentos. Incansável, o artista de Chicago soube driblar a desconfiança de parte dos fãs que já esperava os Chili Peppers próximo da grade e da falta de vivência do público-alvo do festival com grandes performances de rap para entregar um culto que resume o bom momento da música negra americana, com direito a coral gospel que ajudou a transformar a pista em uma grande missa de domingo.
No início da tarde, a já veterana banda indie americana Spoon e o duo revelação britânico Royal Blood foram alguns dos responsáveis por abrir o bloco de atrações internacionais do primeiro dia de Lollapalooza e, de uma forma geral, repetiram o repertório apresentado nos shows que fizeram no Rio, quinta e quarta-feira, respectivamente. Curiosamente, com resultados opostos.
Praticamente ignorado pelos fãs do Pearl Jam no Maracanã, o Royal Blood se deparou com a plateia mais receptiva que encarou por aqui desde a estreia no Rock in Rio de 2015. A resposta inicial a músicas como “Lights out” e “Come on over” criou uma bola de neve positiva: o baixista e vocalista Mike Kerr e o baterista Ben Thatcher ficavam cada vez mais empolgados e entregavam, assim, um show ainda mais barulhento. No fim de seu repetitivo repertório calcado no rock de garagem e no blues rock, saíram, exaustos, ovacionados aos gritos de “Royal Blood!”.
O Spoon, por sua vez, estava a cara da ressaca. Afinal, o grupo tocou para um Circo Voador pulsante cerca de 15 horas antes de subir ao palco do Lollapalooza – não à toa, todos os integrantes entraram de óculos escuros. E os fãs, misturados com os de outras atrações vindouras, também não causaram comoção. Mais cedo, por exemplo, o rapper Rincon Sapiência tinha levado um público maior àquele mesmo palco. Britt Daniel até arriscou suas dancinhas, a banda tocou seu competente indie rock dançante, mas o resultado nem de perto se aproximou daquele mostrado no Rio.
HOMENAGENS A MARIELLE
As atrações nacionais tiveram como destaque os momentos de homenagem a vereadora Marielle Franco, assassinada na semana passada, no Rio.
A banda Vanguart, já veterana na cena indie brasileira, projetou no telão uma foto da ativista, acompanhada pela mensagem “Marielle Presente”. Mais tarde — e diante de um público considerável para o horário —, o mesmo foi feito pelo rapper Rincon Sapiência, que reforçou em palavras seu repúdio ao crime, respondido com aplausos.
No mesmo horário, Mallu Magalhães fazia o primeiro show brasileiro de “Vem”, álbum lançado no ano passado. Foi ele que dominou grande parte do repertório, com canções como “Navegador”, “Pelo telefone” e “Culpa do amor”. Mas Mallu e sua afiada banda empolgaram mesmo quando revisitaram o repertório do disco “Pitanga” (com “Velha e louca” e “Cena”) e da Banda do Mar, banda que criou com o marido, Marcelo Camelo, e o baterista português Fred Ferreira — “Me sinto ótima” e “Mais ninguém” entraram no setlist.
Surpresa com a quantidade de pessoas que assistiam ao show, Mallu usou do seu misto de timidez com simpatia para driblar suas tradicionais desafinadas. No fim, após circular por samba, bossa e pop, deixou o palco com a nova “Será que um dia” e gritos de “mais um!”.
Mais cedo, o Lollapalooza recebeu bandas como Luneta Mágica, Selvagens à Procura de Lei e Plutão Já Foi Planeta (que contou com participação do rapper Rashid, outro a lembrar Marielle).
FESTIVAL SEGUE NESTE SÁBADO
Os portões do Autódromo de Interlagos voltam a abrir neste sábado com promessa de público ainda maior, uma vez que os ingressos estão esgotados. A principal atração do dia é a banda americana Pearl Jam, que fecha a programação após apresentações de nomes como Imagine Dragons, The National, Mano Brown, David Byrne, O Terno e Anderson .Paak.
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