Quando surgiu em 2016 trazendo alguns rostos já conhecidos da cena independente do Rio de Janeiro, a banda Braza despertou curiosidade. Danilo Cutrim, Vitor Isensee e Nicolas Christ haviam feito parte da mesma banda, Forfun, por mais de uma década e, por conta disso, houve especulação de que o novo projeto serviria como uma nova era do grupo. Mas a expectativa dos fãs mais saudosistas não se cumpriu: Braza trouxe conceitos novos, um foco diferente e uma outra maneira de fazer música.
Agora, dois anos depois, já podemos entender melhor o projeto. Com uma essência mais consistente e determinada e um senso político que acompanha cada trabalho, Braza experimenta a mistura do reggae, o rock, o ska e o dub, e imprime um tempero de brasilidade no som, experimentando com ritmos afro-brasileiros e letras que tratam sobre diversas camadas do país. A postura de responsabilidade social, aliás, é outro elemento marcante.
O terceiro trabalho de estúdio da banda é “Liquidificador”, um EP de cinco músicas lançado há três semanas, em 11 de maio. Produzido por Alexandre Kassin (Vanessa Da Matta, Los Hermanos), o disco nos apresenta um novo patamar da banda, que já conhece a si própria bem o suficiente para não ter medo de expandir seus horizontes. O resultado é positivo pois, em vez de trazer mais do mesmo, apresenta novidades até para quem já os acompanha e um material cada vez mais plural para compor a discografia do grupo.
Braza se apresentou na HUB RJ no sábado (26/05) como parte de um projeto da casa em parceria com a Mainstream Concerts e a produtora Fabrika, dividindo o palco com Rincon Sapiência. Após a passagem de som, à tarde, o grupo separou alguns minutos para conversar com a ZIMEL. No camarim, suavemente iluminado, enfeitado com alguns quadros e plantas, os rapazes falaram sobre o grupo, o EP novo, o clipe mais recente, influências e novas parcerias.
A conversa começa em torno de Pedro Lobo, o baixista que, embora já acompanhasse o grupo desde o início nos palcos como parte da banda de apoio, foi integrado recentemente de forma oficial ao núcleo do Braza. Perguntei sobre o processo por trás dessa mudança.
Danilo Cutrim: É engraçado porque oficialmente na sociedade, foi há pouquíssimo tempo, uma semana, duas semanas, e a gente ainda está comemorando. Na real, a gente só foi com calma. Quando você vai casar com alguém, antes você namora um pouco, mora junto para ver se dá certo. E deu super certo. Pedro vinha de um projeto de dez anos de estrada, com a Família Gangsters, a gente veio também de um projeto de quinze anos que foi o Forfun, então você já tem uns vícios, já tem uns lances de convivência. Acho que o Pedrinho soube muito chegar, sempre foi um amigo, desde antes, na verdade, mas agora é um amigo musical. A gente só seguiu o natural mesmo e ‘tá muito feliz com a entrada dele, amarradaço, feliz mesmo.
Pedro Lobo: É que nem o Danilo falou, foi um processo bem tranquilo e natural. É uma junção que é como uma família, um relacionamento, uma parada que vai além do lance musical e do lance ideológico, é toda uma convivência. Acho que aos poucos a gente foi afinando e entendendo que era isso que tinha que rolar mesmo. Foi um processo natural e eu tô bem feliz e bem tranquilo.
Nicolas Christ: É o que tinha que rolar porque era o que tava rolando.
O anúncio oficial ocorreu em 4 de maio, junto ao lançamento do mais recente clipe e primeiro single do EP. “Chama” traz os membros do grupo e a dançarina Pam de Britto, cada um em um cenário diferente, e Pedro Lobo é creditado pela primeira vez junto a Vitor, Nicolas e Danilo no núcleo principal da banda. Em suas cenas no clipe, vemos Pedro debaixo d’água, perdendo a respiração até conseguir enfim emergir. O elemento da água é, por vezes, usado para remeter a rituais simbólicos – como partos ou batismos. Perguntei se a intenção era fazer esse “ritual” com Pedro, e sobre as outras metáforas presentes no clipe.
Christ: Até isso foi natural. A gente tinha essa ideia da água, era um clipe que tinha basicamente alguns processos de dificuldade e um alívio pós-dificuldade. Dentro dessas ideias que pintou a ideia da água e a gente não pensou “ah, vamos colocar o Pedro porque ele tá entrando agora.” Falamos “ah, o Pedro faz a água, o Nicolas corre…” e depois que a gente foi ver. Mas de repente isso já tá no subconsciente, que a gente nem sabe explicar. [As metáforas] são tão literais que nem chegam a ser tão metáforas. Uma mensagem muito forte do Braza é essa de manter a chama acesa, manter a resistência, superar, saber que as dificuldades são um processo para você alcançar um desenvolvimento. Nenhum processo de desenvolvimento vem de graça. Cada cena do clipe representa um pouquinho isso, a importância da dificuldade para você chegar num ponto de desenvolvimento pessoal.
Sobre o EP, lançado esse mês, perguntei se o projeto havia sido planejado neste formato ou se a ideia surgiu após estarem prontas as cinco faixas. Também sobre a experiência de trabalhar com Alexandre Kassin, grande nome na música brasileira, e sobre as influências musicais, o que os integrantes têm ouvido que acabam por imprimir no trabalho.
Cutrim: É uma banda nova e a gente está com o maior gás, naturalmente produzindo muito, trabalhando muito. A banda tem dois anos e em cada ano a gente está lançando alguma coisa, seja um disco, seja um EP, agora. O EP veio porque a gente já estava no processo natural de fazer as coisas e quando foi ver tinha cinco músicas bem elaboradas. Chegou um momento em que a gente falou “galera, vamos apostar nesse formato”. Até porque… meio que seguir a correnteza, né. Hoje em dia a absorção das coisas está tão rápida, tão imediata. Muita galera até do pop está trabalhando só com o single, vai de single em single, que também é um formato bacana, é um formato que a música eletrônica sempre usou. Quando a gente viu que tinha cinco músicas, cinco caminhos mais ou menos, a gente começou a lapidar e apostar nesse formato de EP. O [Alexandre] Kassin foi muito legal, porque a gente precisava só gravar algumas coisas, mas que exigiam tamanho de estúdio e tudo mais, e a gente pensou em gravar no estúdio do Kassin. Nesse encontro acabou que ele ouviu as músicas, curtiu e propôs de produzir. A gente não estava preparado para uma proposta dessas, mas, pô, foi bem interessante, porque a gente admira o trabalho dele há muito tempo, de Los Hermanos a Vanessa da Mata, Nação Zumbi, umas coisas muito boas que ele faz. E foi ótimo, porque na verdade no Braza foi a primeira vez que a gente trabalhou com produtor. Antes a gente que produzia, até junto com o Pedrinho Garcia também, que mixa, baterista do Planet Hemp. E foi uma oportunidade de se ter uma outra ótica, uma visão de fora, menos viciada, ali. Foi muito bacana, acho que as músicas foram pra outro nível, para lugares que a gente nem imaginava. Foi uma honra.
Vitor Isensee: Quando a gente começou, tentamos definir muito as vertentes da música jamaicana, o hip hop e o rap como pilares, junto da herança brasileira. E desde então a gente tenta seguir um pouco essa linha, claro que às vezes a gente faz umas coisas diferentes, aqui e acolá. Por exemplo agora, nesse EP, tem vários ritmos ali. A gente fez uma “pesquisa”, digamos, leve, não muito profunda, mas tentando incorporar isso no nosso som como forma de homenagem. Por exemplo, o kuduro que tem numa faixa que se chama “Fé no Afeto”, não é exatamente um kuduro, mas seria um desdobramento a partir da nossa interpretação da parada. O ijexá também, uma música ou outra, “Liquidificador”, que lembra um pouco o afrobeat em alguns momentos. Outra coisa é o dub, que talvez a gente já tenha mais propriedade porque já faz há muito tempo, desde o começo do Braza a influência do dub é muito forte. Então a gente acaba ouvindo coisas que influenciem, também para produzir o som que a gente está tentando. Mas é óbvio que a gente não ouve só o que vai servir de influência pro Braza, às vezes você ouve algo que não tem nada a ver, acabam sendo influências indiretas.
Lobo: Tem o Buraka Som Sistema, que é uma parada muito maneira. E… deixa eu ver, uma parada mais ‘brasuca’… Talvez essa tenha mais a ver comigo, mas o Academia da Berlinda, lá de Recife, acho muito maneiro, me inspiro muito tanto no estilo de composição quanto no lance rítmico e regional.
Cutrim: Cara, é engraçado porque a gente fica ouvindo muita coisa. Eu particularmente ouço muita coisa pop, The Weeknd, gosto muito, Daft Punk. Mas eu falaria três artistas ‘brasucas’ que a gente acaba tocando em festival, acaba tocando show junto que não tem como não se influenciar. Vou falar aqui o BaianaSystem, que a gente calhou de tocar vários festivais juntos, antes ou logo após eles, acaba que influencia, tá no camarim, ouvindo. Acho que Francisco, El Hombre também, uma banda que a gente divide palco direto e acaba influenciando. E diria que o Rincon, moleque muito bom que a gente está tendo a oportunidade de dividir o palco aqui, hoje. Eu diria que esses três artistas brasileiros, assim como vários.
Christ: Tô bem satisfeito com essas, assino embaixo com as influências do Braza. E eu tenho escutado bastante jazz. Gosto muito de Chet Baker, Charlie Parker, por aí vai. Tem muita gente, boto lá, “listas de jazz”.
Lobo: Outro assim que tenho ouvido mais hoje em dia é o Anderson .Paak, também.
Christ: Adicionado aqui pelo Pedrinho, Anderson .Paak, tanto pro Braza quanto pra gente, a gente gosta muito. E Bob Marley também, que é como uma homeopatia, sempre um pouquinho de Bob Marley, quase que espiritual. E Baden Powell.
Braza tem tocado em diversos festivais pelo Brasil e, em Março, subiu ao palco do Lollapalooza Brasil, em São Paulo. Frente ao crescimento da banda, perguntei se já havia desde então mudanças que fossem perceptíveis para o grupo, seja nas redes sociais, seja no público dos shows.
Cutrim: A gente tá tendo a sorte de estar sendo convidado pra vários festivais muito maneiros, desde o Porão do Rock até o Lollapalooza. Então acaba que você aumenta o público, porque tem muita gente ali pra ver outras bandas e o legal do festival é isso, né? A banda apresentar o público dela pra outras bandas e o público apresentar a banda preferida pra um amigo ou uma amiga. Particularmente o que eu tenho notado é que nos shows do Braza o público tá cada vez mais plural, eu vejo mais gentes de tribos diferentes, todas por um bem comum ali, sabe? Desde sexo até etnia, até orientação sexual… Isso me faz muito feliz porque acho que a música é isso, a música não tem cara, não tem estilo, a música tem sentimento, tem identificação. Acho que eu destacaria a pluralidade do público.
Sobre o Rincon Sapiência, MC paulistano que naquela noite se apresentou logo antes da Braza, quis saber sobre como surgiu o evento e se a banda e o MC já se conheciam.
Cutrim: A gente tocou num festival junto, já. O Pedrinho acho que trocou uma ideia com ele, eu nunca esbarrei.
Lobo: Foi um festival que a gente chegou super em cima da hora, porque o avião não pode decolar e a gente teve que ir de ônibus. Chovendo muito, não teve muito tempo, a gente chegou em cima da hora do show, todo mundo cansado, a gente trocou uma leve ideia. Não conhecemos ele pessoalmente tão bem.
Cutrim: A galera da HUB aqui queria fazer um evento com a gente, ia ser com uma outra banda, anteriormente. Aí eles perguntaram pra gente, “o que vocês acham maneiro pro evento?” e a gente falou “cara, gostaria de tocar com o Rincon e com o DJ Negralha também”. Um mês depois tava anunciado o show, a gente, o Rincon e o DJ Negralha. DJ Negralha a gente já conhece há maior tempão, frequento várias festas que ele toca, pra mim um dos melhores DJs do Brasil. Inclusive participou dos dois primeiros discos do Braza, fazendo uns esquetes ali. Acho que vai ser uma noite maravilhosa.
Tanto Braza quanto Rincon têm posicionamentos políticos muito estabelecidos e constantemente reforçados. Rincon Sapiência propõe um discurso muito voltado às questões raciais, sobretudo. Desde o empoderamento estético, as consequências do racismo e a herança africana para a cultura brasileira, assim como o cotidiano das classes sociais desfavorecidas economicamente e o machismo. Braza também tem o costume de endereçar questões sociais em suas letras, além de terem realizado um documentário sobre a resistência de povos tradicionais da Amazônia e um projeto sobre a gentrificação nos centros urbanos. Frente a essas manifestações, questionei qual seria, na opinião da banda, o papel político de um artista nos dias de hoje.
Lobo: Hoje em dia, ao contrário de um tempo atrás, as pessoas têm muito mais acesso à informação e muito mais, até de uma forma ruim, uma consciência política. Então acho que principalmente o papel do artista na política de forma geral é provocar. Provocar é o principal, provocar reflexão, mais do que tentar passar uma visão como certa. Acho que é provocar reflexão para que a partir disso as pessoas possam ter sua própria verdade.
Christ: É isso.
Isensee: Além disso, qualquer cidadão está fazendo política ao viver, então o artista como cidadão… Agora, não acho que tem que isso, tem que aquilo… “Tem que” nada, tem artista que não vai falar de políticas propriamente ditas, apesar de que qualquer música tem sua conotação política, seja ela uma música de amor conjugal ou enfim. E é isso, então o fazer político na arte é fazer-se cidadão, se você quiser falar, você fala, se não quiser, não fala. Agora acho que, hoje em dia, a gente pelo menos tenta ir um pouco além, digamos, do superficial, porque é fácil também ficar anestesiado e tapar o sol com a peneira. Acho que não é muito o caso pra gente nem pro Rincon. Por isso a gente tenta questionar, como o Pedro falou, causar reflexão.
Para encerrar, fiz uma pergunta que havia chegado até mim a partir de alguns fãs da banda, enquanto me preparava para esse bate-papo: Francisco, El Hombre. A banda indicada ao Grammy Latino, formada por mexicanos naturalizados brasileiros e que mescla ritmos latinos e rock já convidou Braza para subirem ao palco durante uma apresentação no Circo Voador, e os integrantes dos dois grupos têm amizade apesar da diferença de estilos. Perguntei de forma direta: Vai ter colaboração? “Já está tendo”, foi prontamente a resposta de Nicolas Christ.
Cutrim: Uma vez eles chegaram lá em casa e a gente passou o dia inteiro tentando fazer uma música, só que é difícil porque é muita gente e várias cabeças muito pensantes, muitos caminhos… Então é uma dificuldade boa. Mas a gente tá querendo fazer um som juntos sim. Tem um projeto meio encaminhado, que tem tudo pra rolar. mas que não tem muito mais que eu possa falar. Tá pro curto prazo, eu já escrevi alguns versos, algumas melodias.
É engraçado porque é uma banda que a gente se identificou muito. Foi muito louco, porque a gente chegou num festival em Brasília do Tenho Mais Discos Que Amigos e a gente via os moleques de saia, uma galera meio alternativa – depende do referencial de alternativo, né? Uma galera meio Secos & Molhados, a gente foi chegando perto e eu falei “caraca, que loucura, essa galera não vai gostar da gente, mano”, a gente todo de chinelo, bermuda, meio “lekão”, a gente falou “fudeu”, né. Só que era um palco do lado do outro, do lado mesmo, enquanto uma banda passava a outra montava. Enquanto eles estavam passando, tocando, a gente não conhecia o som deles, a gente gostou tanto, começou a dançar, fazer uma ciranda… Eles olharam e começaram a rir pra caralho. E logo depois a gente começou a se falar, o Sebastián e o Mateo, os dois irmãos vieram falar comigo que estavam ouvindo muito o disco da gente, eu falei “cara, que foda!”. Foi como eu te disse antes, também, música não tem essa parada de visual e de sexo, não tem uma coisa estereotipada. É sentimento. Então a gente teve uma empatia muito forte, não só musical mas acho que fraternal. Então a gente está amarradão pra fazer esse som aí porque vai ser muito sincero. Vai ficar muito bom.
Braza se apresenta em Curitiba dia 16 de Junho. O resultado do show no HUB, você confere aqui. [link]
Agradecemos a banda e a Milenar Produções pela entrevista.
Fotos: Rachel Sousa / Edição: Marcello Cunha
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