Dizem que viver sem trilha sonora é meio cinza, sem graça. O apaixonado por música às vezes até arrisca pensar playlists que ajudariam a narrar a própria vida. Por algumas horas, muita gente acabou compartilhando a trilha perfeita para contar a história de uma noite de sexta-feira, em que Pato Fu e Silva bateram ponto no Circo Voador.
Silva deve ser a prova da conhecida sensibilidade canceriana, que dizem ajudar a apurar o olhar sobre o mundo. Ele escolheu a música para interpretar o universo ao seu redor, e o faz com positividade. Acreditando em astrologia ou não, quem esteve no Circo Voador, conferiu o aniversariante do dia apresentando o mais recente álbum, “Vista pro mar”, em um show digno de principal. Sua sonoridade emana good vibes, embala os casais e une amigos que acompanham as músicas abraçados. É bonito de ver.
O músico capixaba consegue criar diferentes atmosferas ao longo da apresentação sem rupturas bruscas, e fazer o público transitar nessa diversidade de sons sem sentir é um dos pontos altos, sem dúvida. Sua versatilidade vem de flertes com o indie, eletrônico e MPB, e ajuda a estabelecer uma nova leva de artistas que preza pela pluralidade de referências musicais.
O público curtiu momentos ensolarados como em “Disco novo”, “É preciso dizer”, “Janeiro” e “Claridão”, passando por outros mais intimistas, como em “Okinawa”, que contou ainda com a participação de Fernanda Takai, também registrada no álbum. A vocalista do Pato Fu não poupou elogios ao músico e a sua banda, assim como a sua contribuição à nova cena musical, e deu os merecidos parabéns por mais uma primavera. Ele merece!
O romance, claro, teve seu lugar com destaque para “Entardecer”, que surpreende com uma pegada reggae no final, boa para curtir junto do ser amado, além da feliz “A visita”, que fez todos dançarem como se não houvesse amanhã. O show ainda teve um plus com a participação de Lulu Santos e do rapper Don L, no pop sob medida para baladas “Noite”, lançada este ano. Respeitado no meio musical e querido pelos fãs, Silva já tem lugar cativo na playlist de muita gente boa, e nem precisa de mapa astral para confirmar isso.
O Pato Fu matou a saudade dos fãs cariocas e entregou um showzaço. Ou melhor, deu de presente mesmo, a julgar pela alegria do pessoal a cada música, inclusive com as do último disco que ocuparam boa parte do setlist, cantadas como se fossem um dos hits que certamente já bateu ponto na sua mixtape em algum momento, ao longo dos 23 anos de estrada do grupo. O pop competente, marcado pela doce voz de Fernanda Takai, estava lá. A pegada roqueira, quase anárquica, especialmente dos primeiros discos, também estava. A sagacidade das letras, o cuidado estético, que ficou a cargo das projeções de imagens que complementavam a sonzeira e pela indumentária modernosa meio sci-fi da vocalista, tudo que faz a gente reconhecer o pop rock peculiar do grupo, abduziu os presentes.
E já para começo de conversa, a banda iniciou os trabalhos com “Não pare pra pensar”, do álbum homônimo lançado ano passado, como se fosse um convite a simplesmente esquecer o mundo lá fora e se deixar levar pelo que viria dali em diante. E o público se comprometeu, fosse em momentos mais “sisudos” como em “Ninguém mexe com o diabo”, um som com uma pegada britpop cantado por John (e uma das músicas mais bacanas do disco novo), rendendo até uma brincadeira da Fernanda, ao dizer que a maldição do capetão havia pegado nele (referência a “Capetão 66.6 FM”). Ou então, quando foram reconhecidos os primeiros acordes de “Depois” e o resto foi festa; ao entoar “Ando meio desligado” e “Perdendo dentes”, a plenos pulmões ou ainda desenferrujando o japonês na surreal e divertida “Made in Japan”.
Não há como negar que para além das músicas, o Pato Fu tem carisma. Entre uma e outra canção, comentários espirituosos, histórias e conversas, como se fossem todos amigos sob a lona do Circo Voador. A própria Fernanda lembrou que fazia 10 anos desde a última vez que tocaram no local, este sempre especial para se apresentar. E como foi um retorno em grande estilo, até o cantor Ritchie (o da “Menina veneno” mesmo) apareceu por lá mandando “Pra qualquer bicho”, em que participa também no disco, e deixou claro, só o Pato Fu para tirá-lo de casa. E como valeu a pena sair de casa…
Lá pelo final, depois da festejada “Sobre o tempo”, John explicou que tocariam uma música da demo gravada em 1993 (que daria origem ao primeiro disco do grupo), singela e inocentemente intitulada “Patu Fu Demo” (risos). “Rotomusic de liquidificabum” com seus sete minutos de experimentalismo/zoeira colocou o Circo abaixo, no momento mais insano e divertido do show. Como se ainda não bastasse, a banda retorna para um bis matador: “Canção para você viver mais”, “Antes que seja tarde” e “Eu”, fecharam com classe o retorno aos palcos cariocas, deixando os fãs novos e das antigas extasiados e torcendo para um novo encontro em breve.
Pato Fu, Circo Voador.
03 de julho de 2018, Rio de Janeiro.
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