Antes de sair de casa o baterista Guto Goffi estava preocupado se tudo daria certo, afinal, quem poderia ficar tranquilo com outro recomeçar tanto tempo depois? Na volta para o bis, em tom de alívio, ele, remanescente da formação original ao lado do tecladista Maurício Barros, se dirige à plateia para fazer a reflexão – diga-se – comum a muitos ali. Mas todo mundo está radiante e satisfeito porque se trata de um show abarrotado de boas músicas, muitos sucessos, pesado e com o volume altíssimo, como um bom show de rock deve ser. E de uma banda muitíssimo afiada para, digamos, uma estreia. É o Barão Vermelho finalizando a noite em um Circo Voador lotado (2 mil pessoas), de volta onde tudo começou para um novo recomeço, com Rodrigo Suricato no lugar de Roberto Frejat, no lugar de Cazuza.

Embora gere desconfiança por ter ganhado notoriedade em um programa de calouros de uma emissora de TV, Suricato aparece como ótimo intérprete e elemento agregador, como bem lembra o outro Rodrigo, o Santos, baixista. Cascudo, além de cantar, ele toca vários instrumentos e assume posição de destaque em muitas músicas, aparecendo até mais que o ótimo Fernando Magalhães, coadjuvante de luxo há mais de 30 anos no Barão. Sim, comete certos deslizes de afinação e tempo de voz em algumas músicas, mas nada que não se ajuste com o desenrolar dessa turnê, batizada de “Barão Pra Sempre”. Muitas das músicas, aliás, têm arranjos modificados, e chama a atenção o destaque que ganham os teclados de Maurício, em um volume pau a pau com as guitarras, o que também não compromete o arranjo original das músicas tal como todos conhecemos.

E são muitas. E são boas. E foram muito tocadas esses anos todos. E seguem encantando gerações e mais gerações que dançam e pensam, que procuram ter dignidade, que seguem querendo ver o Brasil mostrar sua cara, que declaram guerra e desejam ver o dia, enfim, nascer feliz como profetizava Cazuza no emblemático show do Rock In Rio, às vésperas do início da Nova República. Destaques por vezes inesperados são a pesada “Ponto Fraco”, mais conhecida pelo público do que se imagina; “Brasil”, do repertório solo de Cazuza, tocada como rock, enfim; “Declare Guerra”, uma ode à independência; e “Down em Mim”, que, mesmo renovada, em nada perde no que tem de melhor: a dramaticidade e o desespero juvenil fotografados por um imberbe Cazuza. Que manifestem-se, então, os fantasmas do rock entranhados na lona do Circo Voador.

Com relação ao repertório da última turnê de reunião, em 2012 (relembre), são cinco músicas a menos, mas há novidades interessantes como “Eu Queria Ter Uma Bomba”, só gravada em compacto, ainda com Cazuza; a boa “Dignidade”, renascida de um momento inseguro, quando Frejat ainda tateava nas letras; e a ótima “Não Amo Ninguém”, com belo solo de Fernando, que antecede um duelo com Suricato. Maurício Barros e Rodrigo Santos cantam uma música cada um, menos por necessidade e mais para dar um traquejo alegórico ao show. Maurício, que já foi frontman no Buana 4, tira onda de Cazuza na já citada “Não Amo Ninguém”, e Santos, guerreiro do rock, não esconde a felicidade ao mandar “Cuidado”, hit mais recente (13 anos!), com aquele riff monstruoso que caminha por si só.

Se a comparação de Suricato com Frejat é inevitável, soa, também, precipitada. Porque quando Frejat se viu sem Cazuza na banda, tratou de cumprir suas obrigações e o Barão não parou de lançar discos. Frejat desandou a compor novas – e boas – músicas que alimentaram não só a discografia do grupo, mas a própria carreira solo de Cazuza. E porque uma coisa é fazer esse showzaço com quase todas as músicas consagradas, outra é compor material novo de semelhante qualidade para seguir em frente. Como se sabe, o tempo não para e o que faz uma banda triunfar, mesmo em um mercado cada vez mais estranho, são, além de performances como a dessa noite, boa músicas. A menos que opte por seguir como banda de classic rock para turnês, esse novo Barão Vermelho vai precisar mostrar serviço discográfico. Como fez o de Roberto Frejat para superar os momentos mais difíceis.

Por ora, o que conta é o público cantando o final de “Meus Bons Amigos” à capela, em momento de forte emoção; a inevitável unanimidade semibrega de “Por Você”, o maior hit do Barão Vermelho em todos os tempos, agora com ênfase nos teclados, e isso é bom; o irresistível balanço charmoso de “Bete Balanço”; a pedrada cada vez mais pesada que é “Maior Abandonado”, melhor a cada dia, e que tem grande adesão da plateia; a generosidade de “O Poeta Está Vivo”, hino-balada que todo mundo canta, mesmo com a obtusidade de uma letra com pouco sentido; e o arremate oficial de uma noite com o Barão Vermelho, com “Pro Dia Nascer Feliz”. Em suma: um show arrebatador que todo mundo que gosta de rock precisa ver. Quem não gosta também, porque a redenção pode demorar, mas sempre vem.

Barão Vermelho
Circo Voador, Rio de Janeiro
06 de maio de 2017

Set list completo:
1- Pedra Flor e Espinho
2- Pense e Dance
3- Ponto Fraco
4- Carne de Pescoço
5- Bete Balanço
6- Dignidade
7- Billy Negão
8- Eu Queria Ter Uma Bomba
9- Down em Mim
10- Enquanto Ela Não Chegar
11- Meus Bons Amigos
12- Quem Me Olha Só
13- Não Amo Ninguém
14- Tão Longe de Tudo
15- Por Você
16- Por Que a Gente é Assim
17- Cuidado
18- Menina Mimada
19- Declare Guerra
20- Brasil
21- Puro Êxtase
22- Maior Abandonado
Bis
23- O Poeta Está Vivo
24- O Tempo Não Para
25- Pro Dia Nascer Feliz

* por Marcos Bragatto, do site Rock em Geral