Quinze anos é tempo à beça para a música popular brasileira. Nos últimos, então, foi possível acompanhar a passagem nada silenciosa de calouros em reality shows, sertanejos universitários, funkeiros ostentação, cantorxs LGBT — e, com eles, toda a problematização associada. Porque, no mesmo período, a internet se expandiu como nunca, e, com ela, também o trânsito de opiniões: de lá para cá, nenhuma letra de canção, entrevista ou atitude inconsequente no palco passou mais despercebida ou impune pelo público. Bate-bocas entre fãs de diferentes estilos — entre artistas, inclusive — eclodiram e ganharam um inédito nível de exposição. Foram 15 anos que equivalem a 75, o tempo que o cometa Halley leva para passar na Terra. Foi o tempo que os Tribalistas levaram para lançar um outro disco.

Como a mais bela tribo, dos mais belos índios, um super grupo da MPB desceu à Terra de uma estrela colorida brilhante na noite de quarta-feira. Em uma transmissão-surpresa por live do Facebook — a versão moderna, sem intermediários, da velha coletiva de imprensa —, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes apresentaram ao vivo quatro das 10 músicas de seu novo álbum como Tribalistas, que lançarão no fim do mês.

Quinze anos depois, o momento não poderia ser mais adequado para a volta. Artistas com carreiras solo estáveis, eles obtêm juntos um valor artístico maior do que a soma das partes — são um conceito, uma narrativa de MPB, tanto quanto os renascidos Novos Baianos ou a Trinca de Ases de Gil, Gal e Nando Reis. E, em tempos de compromisso com a diversidade, os Tribalistas são uma mulher, um negro e um branco. Com um punhado de canções.

Mas se em 2017 a música brasileira está cindida estética e politicamente, isso não transparece nas novas músicas apresentadas pelos Tribalistas. Predominantemente acústicas, delicadamente tecidas, e sem filiação a nenhum gênero específico (brasileiro ou estrangeiro), elas dançam entre o pop e o rebuscamento, sem novidades, atendendo às expectativas do público do grupo — são o mínimo denominador comum de uma MPB que resiste à barbárie. Com um quê de fado e a leitura em voz grave, por Arnaldo, de trechos de poemas de Sousândrade e Castro Alves, “Diáspora” exibe a cena de um “center shopping superlotado de retirantes, refugiados” em seu lamento acerca dos deslocamentos forçados das populações. E “Um só” usa de construções bem-humoradas (“somos da quadrilha / viva São João”) para comentar, de forma amena, as polarizações do Brasil atual.

E essa foi a porção mais aguerrida do pacote de canções. “Fora da memória” busca na poesia o encanto para ser o “Velha infância” do disco, e “Aliança” conjuga a ideia de felicidade, de amor com desejo, às imagens de um altar, véu e grinalda, lua de mel e chuva de arroz. Bem quando o personagem da “Tua cantiga”, a nova de Chico Buarque, ameaça “largar mulher e filhos”, os Tribalistas chegam para trazer a paz.

Texto de Silvio Essenger, distribuído pela Agência O Globo