O que faz um show ser uma experiência excepcional? A banda? O público? A casa que recebe o espetáculo? Sim, é tudo isso e ainda mais: esses elementos criam um momento único, que não acontecerá novamente, nunca mais. E quando estão em sinergia, premiam aqueles que tiveram a chance de estar presentes, no timing perfeito. Nesse caso, o timing foi a oportunidade de conferir duas bandas lançando ótimos discos, a Boogarins e Terno Rei, no lendário Circo Voador, com um público engajado e atento ao que acontece na cena musical – esta acusada de marasmo, talvez por aqueles que não estão sabendo onde procurar música boa.

Os paulistanos do Terno Rei receberam o público que ainda chegava aos poucos, com as músicas do elogiado “Violeta”, lançado este ano e já na ponta da língua do pessoal. “Yoko” abriu o show, assim como abre o álbum, já mostrando a razão de ter sido bem recebido. As músicas cantadas de cor, mostram o acerto ao incorporar uma pegada mais pop nas melodias, especialmente quando lembramos das texturas lo-fi de discos anteriores que caracterizam o som da banda.

Mas ser pop não é ser raso. Toda a introspecção, de como se estivéssemos lidando apenas com nossos pensamentos mais profundos, por vezes até melancólicos, ainda estão no core da sonoridade do quarteto. Basta ouvir “Medo”, “93” ou “São Paulo” e se deixar invadir por aquela sensação agridoce, “perdido no meio da multidão”, que a vida às vezes nos deixa. Além do repertório de “Violeta”, a banda não ignorou sons mais antigos como “Sinais”, “A prosa”, e ainda deu de presente “Criança”, que não estava no setlist, mas aos pedidos irrecusáveis de “mais um, mais um” ao final do show, foi uma grata inclusão.

Banda Terno Rei se apresenta no Circo Voador

Terno Rei no Circo Voador, 2019 © Lucas Tavares / Zimel

Da paleta monocromática violeta do Terno Rei, passamos para a experiência multissensorial do Boogarins. A banda veio ao Rio lançar o celebrado “Sombrou dúvida”, que mostra a banda em boa forma sem o uso excessivo de camadas eletrônicas, que foi a tônica do anterior “Lá vem a morte” (2017), no que se mostrou um acerto.
O repertório privilegiou o novo álbum, já absorvido pelos entusiastas da banda, considerando as reações a cada música. “As chances”, “Invenção”, “Dislexia ou Transe” e “Sombra ou Dúvida” tiveram recepção digna de hits, o que não impressiona. Afinal, vai dizer que não dá vontade de cantar a plenos pulmões uma letra como “E eu desconfio dos hábitos / E eu boto fé no viver ávido”? Não é música, é lição de vida.

Boogarins no Circo Voador, 2019 © Lucas Tavares / Zimel

Uma característica marcante dos shows do Boogarins é a forma como são conduzidos. Os setlists do quarteto não são mera sequência de músicas, mas uma narrativa fluida e coerente, aliada ainda aos efeitos visuais que dão corpo a experiência psicodélica. Além disso, a banda não tem medo de improvisar, mesmo que em alguns instantes isso custe a perda do ritmo do show e consequentemente, a dispersão do público. Mas ousadia conta: não dá pra ser indiferente, você se deixa levar ou vai embora.

Além de experimentar as novidades de “Sombrou dúvida” ao vivo, o público também foi contemplado com músicas já queridas como “Avalanche”, “Foi mal”, “Onda negra” e claro, “Doce”. A banda não parecia acreditar naquela plateia fiel e ainda a recompensou com uma música bônus não prevista no setlist, “Tempo”, do ótimo “Manual” (2015), encerrando o show com louvor. Uma noite em que se provou que é preciso olhar além da aridez de uma cena musical que insistem em nos vender.