Filho de pai tunisiano e mãe russa, o rapper Sadek, 26 anos, nasceu e cresceu na comuna francesa Neuilly-sur-Seine, que fica na área periférica de Paris. Sua música, no entanto, não tem nada a ver com a de outro rapper, o engajado Far’Hook, personagem que ele interpreta em “Tour de France”. No filme, que estreia nesta quinta-feira no Brasil, o cantor e ator contracena com um ícone do cinema francês, Gérard Depardieu.

– Não gosto de cantar sobre política – disse ele, em entrevista ao GLOBO, no início de junho, durante uma passagem por São Paulo. – Odeio essa parada. Gosto de cantar sobre a vida. No meu novo álbum (ainda inédito), tem uma música sobre a minha mãe, uma para minha mulher, outra sobre amigos que me traíram e sobre amigos que continuaram fiéis. Adoro falar sobre a conexão com as pessoas e a vida em geral, coisas positivas e negativas. Mas sobre a vida. Odeio dizer para quem me escuta ‘você tem que fazer isso ou aquilo’, ‘fulano é bom’, ‘sicrano é mau’… Quem sou eu para dizer essas coisas?

Não por acaso, “Tour de France” mostra como Far’Hook se relaciona com Serge, personagem de Depardieu, um senhor de grande cultura e com ideias muito conservadoras. O rapper, que saiu de Paris em função de uma disputa violenta com um rival, serve como motorista do aposentado, enquanto passam pelos portos do Norte da França, refazendo o caminho percorrido pelo pintor Joseph Vernet (1714-1789). Além da grande diferença de idade, eles também têm visões de mundo opostas, especialmente em relação à imigração e ao papel dos imigrantes no país. A viagem diminui esse espaço entre ambos.

Oriundo dos subúrbios franceses, Sadek, 26 anos, vem de uma geração posterior à retratada em “O ódio” (1995), filme de Mathieu Kassovitz que discute com mais contundência a xenofobia e o racismo no país. O segundo longa do diretor Rachid Djaïdani adota um tom duro, representado nas trocas e discussões entre Far’Hook e Serge, mas muito mais conciliador.

O rapper tem uma visão semelhante e surpreendente sobre preconceito:

– A França não é racista, não acho que seja um país racista. Acho que o racismo começa nas nossas cabeças – explica ele. – Quando eu vivia nos subúrbios fui ensinado que não era para sair de lá. Não podíamos ir a (o centro de) Paris, não éramos franceses de verdade. Aquilo era como uma prisão na minha cabeça. Ora, não estamos na África do Sul do apartheid. Nascemos na França e pronto, temos direitos e deveres como qualquer outro cidadão. Eu faço negócio com pessoas que são consideradas racistas e nunca tive problemas. Talvez porque, no fim das contas, o que interessa é a cor do dinheiro.

Sadek conta que foi Clément “Animalsons” Dumoulin, que assina a trilha do filme, quem o chamou para fazer o papel. De início, achou que o queriam para fazer música; só depois soube que concorria ao papel de protagonista.

– Eu não era um nome grande na cena rap. Eles testaram mais uns 200 caras. O Rachid disse: “Cara, muito bom, você estava fantástico”. E eu disse: “Você só está falando isso porque estou na sua frente”. E ele: “Não, você é natural”. Duas semanas depois, o papel era meu.

O filme deu impulso à carreira de rapper de Sadek, mas ele agora quer investir na interpretação:

– Aceitei o papel porque precisava colocar comida na mesa. Melhor fazer cinema do que vender drogas, como acontece com todos que vêm dos guetos de Paris. Mas o filme me seduziu, a indústria me seduziu. Agora, é o que eu quero fazer da minha vida.