Como diz o jornalista inglês Paul Trynka, autor de sua biografia definitiva (“A vida e a música de Iggy Pop – Open up and bleed”, Editora Aleph), o inoxidável pioneiro do punk “não vai entrar docilmente na boa noite”. Manco há mais de uma década, por conta de lesões maltratadas no tornozelo e no quadril, o cantor é o primeiro a brincar com as perdas de audição sofridas (“estou surdo feito uma pedra”, disse, em recente entrevista).

Ainda assim, com um vasto passado de hábitos autodestrutivos dentro e fora dos palcos, Iggy Pop chega aos 70 anos – completos nesta sexta-feira – com uma performance ao vivo energética e atlética. A partir de maio, sai em turnê que inclui noites como atração principal em festivais nos Estados Unidos e na Europa.

No ano passado, lançou um dos melhores discos de toda sua carreira (na opinião de Trynka e de boa parte da crítica mundial), “Post pop depression”, feito com a ajuda de Josh Homme (Queens of the Stone Age), um dos mais respeitados nomes do rock atual.

Iggy segue subvertendo até mesmo a imagem que construiu nas seis primeiras décadas de vida. Seu mais recente projeto é o documentário “Permanecer vivo – Um método”, em que aparece ao lado de seu amigo e fã, o polêmico escritor francês Michel Houellebecq (autor do roteiro, coassinado pelo diretor, o holandês Erik Lieshout). Atração do festival É Tudo Verdade, o filme tem exibição amanhã, às 19h, no Espaço Itaú de Cinema, e na próxima terça-feira, dia 25, às 13h, no Espaço Cultural BNDES.

Baseado em um texto de Houellebecq, “Permanecer vivo” pode ser definido como uma espécie de autoajuda culta e levemente deprê, com direito a truques como o uso de “Adagio for strings”, de Samuel Barber, na trilha. Mas mostra um lado denso e inusitado do sempre inquieto Mr. Osterberg.

Sete discos, três livros e um filme servem de base para um mergulho na vasta obra que fez a fama do pioneiro do punk. Dos primeiros álbuns com The Stooges expandidos em relançamentos ao recente documentário de Jim Jarmusch sobre a banda, não falta material de revisão sobre a trajetória do multifacetado septuagenário James Newell Osterberg Jr., mundialmente conhecido como Iggy Pop.

Discos

“The stooges” (The Stooges, 1969)

Com seus rocks hiperconcisos e hipnóticos, ajudados pela produção de John Cale (Velvet), Iggy e os irmãos Asheton (Ron, guitarra, e Scott, bateria) estreiam em disco reinventando o gênero com doses desequilibradas de pulsão sexual e angústia. 1969, baby.

“Funhouse” (The Stooges, 1970)

Com a adição do saxofonista Steve Mackay e influências de jazz e avant-garde, o segundo álbum do grupo é para muitos a melhor obra de Iggy. Influência para o rock de garagem que veio depois, tem improvisos atípicos e até um clássico do blues branco, “Dirt”, inspirado em Howlin’ Wolf.

“Raw power” (Iggy e The Stooges, 1973)

Com a chegada do guitarrista James Williamson, com riffs abençoados como o de ?Search and destroy?, os Stooges aumentam suas possibilidades criativas e produzem um disco venerado por muitos fãs, apesar da mixagem controversa (assinada por David Bowie).

“The Idiot” (Iggy Pop, 1977)

O primeiro disco a refletir a temporada em Berlim, sob influência de Bowie e livre das drogas pesadas, traz algumas das melhores canções de Iggy, como ‘China girl’, ‘Baby’, ‘Funtime’ e ‘Dum dum boys’ (homenagem algo dúbia aos ex-companheiros dos Stooges).

“Lust for life” (1977)

A continuação de ‘The idiot’ o supera pela excelência das canções e pela energia da cozinha dos irmãos Sales (Hunt, bateria, e Tony, baixo). Traz os hits ‘Lust for life’, ‘Some weird sin’, ‘The passenger’, ‘Neighbourhood threat’ e as surpreendentes ‘Turn blue’ e ‘Tonight’, que falam de overdoses.

“Soldier” (1980)

Um disco pouco valorizado na época, marca o encontro do velho punk com sua nova geração de pupilos. O ex-Sex Pistols Glen Matlock vira parceiro e ajuda a produzir boas canções, hoje pouco conhecidas, como ‘Take care of me’ e ‘I need more’. ‘Play it safe’, parceria com Bowie, é uma gema.

“Instinct” (1988)

De novo com um ‘sex pistol’ a tiracolo (o guitarrista Steve Jones), Iggy investe num hard rock que fez fãs punks torcerem o nariz. É um disco desigual, mas que merece ser reouvido, muito em função de composições maduras como ‘High on you’, ‘Lowdown’ (um clássico subvalorizado) e a faixa-título.

Livros

“A vida e a música de Iggy Pop – Open up and bleed”

Bem pesquisada e com sacadas originais, o livro de Paul Trynka (Editora Aleph) é o que há de mais próximo de uma biografia definitiva do cantor. Iggy repudia alguns episódios narrados, mas, em muitos períodos da vida, é difícil confiar em suas memórias.

“Dangerous glitter – Como David Bowie, Lou Reed e Iggy Pop foram ao inferno e salvaram o rock’n’roll”

No livro (editora Veneta), o inglês David Hughes trabalha a partir de material secundário (à exceção de Nico, que lhe deu ótimo depoimento), mas conceitua bem o ‘ménage’ criativo dos artistas que renovaram o rock nos anos 1970.

“Mate-me por favor – Uma história sem censura do punk (vol. 1)”

Lançada originalmente em 1996, a obra de Legs McNeil e Gillian McCain (LPM) já teve dados contestados, mas picota brilhantemente relatos preciosos (e maliciosos) sobre Iggy, os Stooges e toda uma gama de personagens inspirada por eles.

Filme

“Gimme danger” (2016)

O documentário, dirigido pelo cineasta americano Jim Jarmusch, é centrado nos aspectos musicais e ?fraternos? dos Stooges, mais do que na persona de seu líder, e deixa de lado as histórias bizarras sobre groupies e drogas que formaram parte da reputação do grupo.

* por Agência O Globo