Publicada no Segundo Caderno do Jornal O Globo há uma semana, a informação de que as plataformas de streaming repassaram, via Ecad, pouco mais de R$ 46 mil em 2016 aos compositores das dez canções mais ouvidas do ano reacende o debate sobre o futuro do autor no modelo.

Por falta de regulamentação específica, as empresas pagam, além do direito de execução pública — a que se refere essa parcela repassada ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição —, o chamado direito de reprodução, que chega aos autores via editoras de música.

Segundo a Ubem (União Brasileira de Editoras de Música), a prática no mercado brasileiro hoje é que o montante distribuído aos compositores é dividido em 25% de direito de execução pública e 75% de direito de reprodução.

Diretor da CQRights (empresa de gestão de direito autoral) e especialista no tema, o advogado Daniel Campello defende que o grande nó da remuneração aos compositores no Brasil está na indefinição legislativa — e não na falta de pagamento por parte das plataformas.

Ele explica que ainda não há uma posição da lei do país sobre se o streaming configura ou não execução pública, por exemplo.

— O Brasil ainda não conseguiu entender que o streaming envolve também execução pública. Ali coexistem vários direitos: de execução, de reprodução e de distribuição. E todos têm que ser remunerados — avalia Campello. — Não temos uma política pública nem a regulação dos direitos contidos no streaming. O fluxo de dinheiro para o compositor não consegue acontecer.

Paulo Rosa, presidente da Pró-Música, explica que a entidade não entende o streaming como execução pública, com base na leitura que faz da Lei 9.610, que trata do direito autoral:

— Esse dispositivo claramente define o streaming como distribuição, não como execução e muito menos pública. Por essa razão precisamente, e no mundo inteiro, a parte do direito conexo (pago a gravadoras e artistas) é bem maior que aquela paga pelo direito autoral (autores e editoras) no caso das plataformas de streaming com interatividade — diz Rosa, que avança: — Uma plataforma paga em torno de 70% de suas receitas a título de direito autoral e conexo. O valor é rateado da seguinte forma: entre 55% e 58% para o direito conexo (gravadoras e artistas) e, entre 12% e 15% ao direito autoral (autores e editoras), totalizando os 70% do que faturam as plataformas.

A Deezer, empresa que já pagou direitos de execução pública ao Ecad e depois deixou de pagar — agora eles renegociam um acordo —, também se diz à mercê da indefinição legislativa.

—Sempre defendemos um debate profundo, a criação de uma lei para o mercado digital, e não a adaptação de uma lei antiga, de quando não havia digital (a Lei 9.610 é de 1998) — afirma Henrique Leite, diretor de Relacionamento com Gravadoras para a América Latina da Deezer. — Nosso interesse não é o de lesar ninguém, muito menos autores e artistas. Sempre buscamos entender quem é o intermediário correto pra fazer o pagamento. Essa discussão estava bem aprofundada, mas foi interrompida (a Diretoria de Direito Intelectual, que propunha uma regulação do digital, foi extinta na gestão Temer).

A Deezer planeja implementar até o fim do ano uma tecnologia inédita, visando uma distribuição mais justa. Hoje, todo o bolo que o usuário paga às empresas é dividido pelas músicas conforme a execução global. No novo formato, ele será vinculado ao usuário. Ou seja, o valor da mensalidade de cada um será dividido somente pelos artistas que ele ouvir.

— Mas temos que entender que antes essa distribuição era feita por amostragem, não pela audição real, como hoje. Os menores nem viam a cor do dinheiro. Hoje temos 40 milhões de faixas recebendo. Isso faz com que o valor diminua muito. Quanto mais aperfeiçoado for o sistema, mais dividido vai ser o bolo. Antes a festa tinha 100 convidados, hoje são 40 milhões.

* por Leonardo Lichote, distribuído pela Agência O Globo