O sonho de Rita Lee era ser imortal, com saúde para gozar no final – mas, se por acaso morresse do coração, isso era apenas um sinal de que tinha amado demais. De qualquer forma, ela garantia: enquanto estivesse viva e cheia de graça, talvez ainda fizesse um monte de gente feliz. E, de fato, fez milhões de pessoas felizes, ao longo de uma vida abreviada aos 75 anos, na noite de segunda-feira. Rainha do rock brasileiro, a mais debochada das feministas do país, uma das mais bem-sucedidas compositoras do pop em português, defensora de todas as liberdades e voz que não se limitou a estilos ou gerações, Rita Lee deixa biografia e obra, estas sim, imortais. O velório será aberto ao público, no Ibirapuera. Rita Lee deixa o marido e grande parceiro musical, Roberto de Carvalho, e três filhos.

Nascida na véspera de Ano-Novo de 1948, em São Paulo, em uma família de descendentes de imigrantes norte-americanos e italianos, Rita Lee Jones cresceu no bairro da Vila Mariana, onde viveu até o nascimento de seu primeiro filho, Beto. Durante a infância, teve aulas com a pianista clássica Magdalena Tagliaferro. Enquanto isso, ouvia o rock de Elvis Presley, Neil Sedaka, Beatles e Rolling Stones e as vozes brasileiríssimas de Cauby Peixoto, Angela Maria, João Gilberto e Emilinha Borba.

Na adolescência, nasceram o interesse de Rita pela música, suas primeiras canções e o primeiro grupo, só de garotas: as Teenage Singers, fundado em 1963. No ano seguinte, elas conheceram o trio masculino Wooden Faces, e os dois se juntariam para formar o Six Sided Rockers, mais tarde renomeado de O’Seis. Em 66, o sexteto gravaria um compacto com as músicas “Apocalipse” e “O suicida”. Com a saída de três integrantes, sobraram Rita e os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias. Eles partiram então para formar um novo grupo, Os Bruxos, que, por sugestão do cantor e ídolo da jovem guarda Ronnie Von, passou a se chamar Os Mutantes.

Em 1967, a banda despontou no cenário ao acompanhar o baiano Gilberto Gil no III Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, na canção “Domingo no parque”. Em 68, já bem integrado ao movimento tropicalista de Gil e Caetano Veloso, Os Mutantes lançaram seu primeiro LP, uma explosão de criatividade que décadas mais tarde seria reconhecido como um dos maiores discos da era psicodélica.

Cantora da banda e também compositora (junto com os irmãos Dias Baptista), Rita fez das suas primeiras traquinagens ao caracterizar-se de noiva (com um vestido emprestado pela atriz Leila Diniz do figurino da novela “O Sheik de Agadir”) para defender com os Mutantes a canção “Caminhante noturno” no Festival Internacional da Canção, no Maracanãzinho.

Depois de “Mutantes” (1969), “A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado” (1970), “Jardim Elétrico” (1971) e “Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets” (1972), discos que fizeram dos Mutantes a grande banda do rock brasileiro da sua geração, Rita Lee foi expulsa da banda por Arnaldo Baptista, àquela altura seu ex-marido.

Com dois LPs solo na bagagem (“Build up”, de 1970; e “Hoje é o primeiro dia do resto da sua vida”, de 1972, que era para ter sido dos Mutantes), ela não se fez de rogada: formou com a amiga Lúcia Turnbull a dupla de folk-rock As Cilibrinas do Éden e depois o seu próprio grupo, o Tutti Frutti, com o qual enfim chegaria ao sucesso a bordo do LP “Fruto proibido” (1975), dos hits “Agora só falta você”, “Esse tal de roque enrow” e a balada (que muitos acreditaram autobiográfica) “Ovelha negra”. Nascia ali a Rainha do Rock Brasileiro.