É lamentável que em 2017 ainda tenhamos que lidar com as consequências da cultura do estupro, que tornam algumas atividades cotidianas experiências dignas de uma saga. Pensar na roupa a ser usada, no trajeto menos perigoso ou no tom da maquiagem, são rotinas naturalizadas para muitas mulheres. Para aquelas que gostam de música e da experiência de vivenciá-la a partir de shows e festivais, há todo um conjunto de preocupações que passam distante dos homens.

Não são raros relatos de abusos nesses eventos, que acabam minimizados como algo que faz parte. Afinal, as mulheres deviam estar cientes do que encontrariam nesse tipo de ambiente, correto? (a famosa culpabilização de quem sofreu o assédio). Embora reconheçamos algum avanço nos debates e no combate a violência sexual, ainda falta muito para que as mulheres sintam-se seguras nesses eventos, tendo como única preocupação se o show corresponderá as expectativas, ou se a cerveja terá preço justo.

Um grande passo foi dado nesse sentido, colocando luz sobre a questão do assédio. A produção do maior festival de música da Suécia, o Bråvalla, anunciou o cancelamento da edição 2018, em consequência do alto número de denúncias ao longo de seus quatro dias. A polícia sueca registrou 23 casos de abuso sexual e 4 de estupro, o que levou os organizadores a emitir a seguinte declaração: “Alguns homens… aparentemente não sabem se comportar. É uma vergonha. Assim, decidimos cancelar o Bråvalla 2018”.

Não é de hoje que os festivais suecos lidam com essas denúncias. Ano passado, a polícia local foi acusada de omitir informações sobre relatos de assédio e abuso sexual ocorridos em um festival nos anos de 2014 e 2015, sem contar os relatos de 2016. Mesmo com as denúncias, a edição deste ano prosseguiu conforme programado, com shows de Prophets of Rage, The Killers, Linkin Park e The Chainsmokers, entre outros.

Segundo a responsável pelo festival, a FKP Scorpio, a queda nos números da venda de ingressos tem relação direta com as ocorrências de estupro e abuso sexual. A edição 2017 vendeu 45 mil ingressos, queda considerável comparado aos 52 mil ingressos adquiridos em 2016. Se a decisão de cancelar o evento reflete uma preocupação genuína com a segurança das mulheres, fica complicado saber especialmente quando colocados os números, afinal, festival visa lucro. Mas o fato é que o assunto está em discussão, e quanto a isso não há como retroceder.