No último sábado de maio, a juventude carioca burlou a escassez de ônibus na cidade para chegar à casa de shows do bairro de Santo Cristo que, desde o carnaval, tem chamado atenção desse público. A HUB RJ promoveu uma noite com três apresentações de impacto: o MC paulistano Rincon Sapiência, que vem sido aclamado pelo rap dançante recheado de influência africana; a banda Braza, que mistura estilos brasileiros com reggae, rock e ska; e Negralha, o conceituado DJ que acompanhou O Rappa desde 1998, com o DJ The BlackHaus fechando a noite.

Negralha tocou seu set, composto majoritariamente de black music focado em rap e hip hop nacional e internacional nos intervalos dos shows e foi quem abriu o palco. A casa abriu às 21h, disponibilizando open bar de cerveja por uma hora. Além do som, havia uma mini pista de skate, lojinha oficial, bares das patrocinadoras Itaipava e TNT e até venda de cachorro-quente, sem falar da área VIP próxima ao palco. O público aproveitou a apresentação do DJ até perto da meia noite, quando Rincon e sua banda tomaram o palco.

O show de Rincon Sapiência é tudo que você poderia esperar do artista. O MC e beatmaker, nascido Danilo Ambrosio, já deixou sua marca no terreno do rap nacional. Trocando a pose de seriedade e sobriedade por cor e dança, Rincon tem trazido um frescor necessário a um gênero que parece ter sido invadido por performers saídos de um molde fabricado, distanciados da história e origens do rap e projetando confusão em quem não está inserido nessa nova, estranha face do estilo musical.

Não quer dizer que Rincon não carregue seriedade. Suas letras abordam uma diversidade de assuntos importantes, questões políticas geralmente relacionadas à africanidade, à herança do povo negro no Brasil e contra os preconceitos racial e de gênero. Até uma da manhã, empolgou o público da Hub enquanto desafiava os cariocas a “meter dança”. E o povo metia dança. Estivesse ou não familiarizado com o trabalho do artista, não havia como evitar ser contagiado pela energia vinda do palco. A apresentação foi “bailante” e provocativa, política e divertida. Foi uma demonstração perfeita do equilíbrio que deixa o trabalho de Rincon Sapiência tão importante e especial.

Encerrado o primeiro show da noite e após um novo set do DJ Negralha, Braza subiu ao palco pouco depois da primeira hora da madrugada, convocados por gritos de “olê olê olá, Braza, Braza!”. Os rapazes foram recebidos por um público que seguiu cantando cada música, palavra por palavra. Embora tenha apenas dois anos de atividade, o grupo tem crescido de forma rápida na cena independente.

Claro que isso não vem do nada. Os integrantes carregam anos de experiência na estrada, uma vez que Danilo Cutrim, Vitor Isensee e Nícolas Christ passaram quase 15 anos na Forfun (e o baixista recém-oficializado Pedro Lobo, 10 anos no Família Gangsters). Mas a relação não é direta. Embora certa essência esteja ali, Braza não compartilha tanto em comum com a antecessora. Os contos de uma adolescência good vibes, independente e sem pudores deram lugar a letras mais maduras e um engajamento político marcante, e uma sonoridade que já aponta mais consistência e bom desenvolvimento, evoluindo perceptivelmente desde o CD de estreia. Embora provavelmente a reunião tenha chamado atenção de fãs saudosos, o grupo teve que conquistar o público do zero.

Braza © Marcello Cunha / Zimel

Tem dado certo. Quem passou a madrugada na Hub vendo aquela pista cheia recitar as letras da banda de cor percebe isso. A galera animou-se com as referências à música brasileira, em seção que homenageava Charlie Brown Jr, Chico Science e Nação Zumbi, entre outros. E também urrou quando o tecladista e vocalista Vitor sugeriu “jogar uma granada de luz” em casos recentes de corrupção política e escândalos de alcance nacional. A banda tem uma postura política determinada desde o primeiro momento, embora não percam o bom humor de dedicar uma de suas faixas instrumentais a “todos os maconheiros presentes”. O show pode ter incomodado quem esperava mais canções do EP mais recente, “Liquidificador”, porém não há necessidade de pressa. Braza tem construído seu caminho, entre o dub, o reggae e o rock banhados em brasilidade e, se tivermos sorte, teremos o prazer de acompanhá-los por muito tempo.

A qualidade dos shows, tanto técnica quanto de conteúdo, foi de um nível que nos permite ter orgulho do potencial da música brasileira, algo que por vezes esquecemos, no costume de priorizarmos o internacional. Quando Rincon acrescenta elementos do samba e do funk ao rap, e o Braza experimenta texturas do afoxé e ijexá, eles nos lembram quão colorido é o espectro de nossa música e das possibilidades infinitas nessa arte que une e desperta tanto afeto.

“Braza + Rincon Sapiência no HUB RJ” foi promovido como parte de um projeto em colaboração com as produtoras Mainstream Concerts e Fabrika e parceria com a Itaipava e TNT Energy Drink. A colaboração tem como objetivo levar eventos de cultura e arte ao bairro de Santo Cristo, estimulando o empreendedorismo e impacto social na região, focos da HUB. O projeto envolve outras apresentações na casa ao longo deste ano, dentre os quais já estão confirmados BNegão & Seletores de Frequência e Ponto de Equilíbrio para o próximo sábado (02/06) e a estadunidense Sublime, em data a ser anunciada, além do grupo Cypress Hill, em negociação.

**Agradecemos em especial a Leandro e Bruno Rafael da HUB RJ pelas informações.

BRAZA, HUB RJ
26 de maio de 2018, Rio de Janeiro

Ande
Selecta
Embrasa
Racha a Canela
Tijolo por Tijolo
Oxalá
Pedro Pedreiro Parou de Esperar
Dubrasilis
Além
Normal
Chama
Hoan vs. Hozin
We Are Terceiro Mundo
Moldado em Barro
Exército sem Farda
Chão Chão Terra Terra
Qual é o Rosto de Deus
Ela me Chamou para Dançar um Ragga
Segue o Baile

RINCON SAPIÊNCIA, HUB RJ
26 de maio de 2018, Rio de Janeiro

Intro
A Coisa tá Preta
Galanga Livre
Moça Namoradeira
Amores às Escuras
12345678
Vida Longa
Linhas de Soco
Ostentação a Pobreza
Crime Bárbaro
Elegância
Afro Rep
Meu Bloco
Ponta de Lança