Não basta voltar ao Rio para fazer um dos shows mais aguardados da cidade dos últimos 26 anos. Não basta ter uma carreira consolidada como uma das maiores bandas de thrash metal do mundo, consagrada dentro do segmento alemão do gênero. Não basta ter um repertório de clássicos sedimentados na época de ouro e continuar lançando álbuns matadores, de modo a ter muito o que tocar em pouco mais de uma hora de show. Não, não basta. É preciso entrar no palco com a faca nos dentes, incitar o público o tempo todo a participar como se o mundo fosse acabar ali mesmo no Circo Voador jorrando gente pelo ladrão. É o que faz o Kreator nesta sexta (16/11), como uma das atrações do Liberation Fest, que este ano ganhou – alvíssaras! – uma edição carioca, que contou ainda com Arch Enemy e Excel.

E o resultado disso tudo junto é uma interação entre público e banda como pouco se vê em tempos de cabeças ocas gravando tudo o que aparece pela frente. Não tem como, é impossível ficar incólume ante ao apelo de um Mille Petrozza possesso pela participação do público, música após música, sem parar de tocar pra ficar de discurso vazio, e – o principal – com um repertório, se mesclado entre nove dos 14 álbuns da banda, que vem encalacrado de palhetadas, no maior estilo thrash, com o volume alto pra dedéu e o baterista Jürgen “Ventor” Reil apressadinho impondo a velocidade das músicas em outra rotação. E a resposta é imediata. Para se ter uma ideia, o show mal começa com “Phantom Antichrist”, faixa-título do ótimo álbum de 2012, e já tem duelo de quem grita mais alto, abertura do Mar Vermelho, estapeamento generalizado e o escambau.

Além das palhetadas, o guitarrista Sami Yli-Sirnio mostra que não está para brincadeira, impingindo solos com espantosa agressividade, em que pese o modus operandi do Kreator ser violento por si só. Se Ventor quer apostar corrida, sebo nas canelas! Em “Civilization Colapse”, uma traulitada daquelas, o movimento das mãos que ele faz é extraordinário, e em “Gods Of Violence”, cujo título já sugere o nível de “soco na cara” que é a música, ele tem a companhia de Mille, em um raro momento em que deixa a base para solar em duelo com o parceiro. As duas guitarras, juntas, brilham desde cedo em evoluções melódicas, como em “Hail to the Hordes”, quando a cadência thrash se impõe e o público responde com o inevitável bater de cabeças, coisa linda de se ver.

O show é, também, fadado a recordações, e Mille diz se lembrar claramente da passagem da banda pela cidade em 1992 (muito embora troque o ano para 1991, acontece), em plena quadra de uma escola de samba, em evento produzido – vejam vocês – pelo saudoso Garage. Ele quer saber inclusive quem estava lá, de modo a receber o carimbo de “old school”. A partir daí persegue a noite toda o que ele chama de “Brazilian style” de agitar em um show, no que o público reponde com obediência servil, mantendo a zorra que se desenrola quando rodas de dança se multiplicam em desorganizadas interseções. É assim, por exemplo, em “Enemy Of God”, uma passada de rodo que inclui introdução melódica de guitarra, refrão colante que se converte em um esperto cantarolar no final, solos sobre solos e trechos com mudança de andamento e guitarras distorcidas no talo de fazer todo mundo pular. Ou seja: tudo que o festeiro thrash metal tem de melhor. E – por isso mesmo – o povaréu se acaba no meio do salão.

Necessário salientar, a despeito da ótima performance de palco, como o Kreator trabalha bem os refrães, desde de as composições das músicas. Em quase todas o público canta a plenos pulmões cada um deles, a ponto de Mille Petrozza, que tanto impulsiona a participação, se sentir tocado. O tempo é curto – 1h15 só -, é show de festival, faltam músicas das antigas, mas, mesmo assim, a ênfase do álbum mais recente, “Gods Of Violence”, de 2017, que fornece quatro das 13 músicas, não impede que a performance avassaladora do Kreator fale por si só. Tem cartaz erguido por fã com a frase “Vegan is Real” em “Satan is Real” (título genial); tem Mille agitando bandeira em “Flags of Hate”; tem o bis matador com “Violent Revolution” e a plateia acompanhando no ritmos das palmas sob luz estroboscópica; e tem o arremate de “Pleasure to Kill, seguramente a música chave do Kreator, que de certo modo resume todo o show, como se fosse a hora de aproveitar o máximo possível antes de tudo acabar. E é o que acontece, no melhor estilo brasuca-germano.

Kreator, Liberation Fest
Circo Voador, Rio de Janeiro, 16/11/2018

1- Phantom Antichrist
2- Hail to the Hordes
3- Enemy of God
4- Satan Is Real
5- Civilization Collapse
6- People of the Lie
7- Flag of Hate
8- Phobia
9- Gods of Violence
10- Hordes of Chaos (A Necrologue for the Elite)
11- Fallen Brother
Bis
12- Violent Revolution
13- Pleasure to Kill

* texto de Marcos Bragatto do site Rock em Geral