Em uma sexta-feira clássica do Rio de Janeiro, mais uma vez os caranguejos de Pernambuco tomam conta da praia do Circo Voador para trazer um show com viés histórico: vinte anos de Afrociberdelia, do Nação Zumbi. O álbum que levou o nome do coletivo nordestino para as bocas do mundo todo faz uma parada estratégica e necessária pelo Estado da Guanabara e mesmo que o local não estivesse cheio desde o começo da noite, a promessa era de casa cheia. Com o primeiro show começando mais de uma hora depois da abertura dos portões, os presentes preferiram se esbaldar um pouco na noite da Lapa antes de adentrar as lonas do Circo.

A abertura da noite foi nada menos que Lira. Ou melhor: José Paes de Lira, compositor, poeta e escrito brasileiro que fez parte nada mais nada menos do que um dos coletivos mais expoentes da construção musical brasileira, o Cordel do Fogo Encantado. Terminando as atividades em 2010, Lira decidiu seguir em carreira solo fazendo um som bem próprio. Uma mistura de eletrônico com toques de mangue beat e muita poesia. A banda tocou músicas do trabalho solo como Sidarta e Quem Sabe é Pra Sempre, mas também revisitou músicas do ido coletivo como Morte e Vida Stanley. Um deleite para quem nunca teve a oportunidade de ver o Cordel em apresentações ao vivo, como este que vos fala.

Com um show de abertura tão importante e representativo quanto o principal, a tenda estava em polvorosa com a entrada do Nação Zumbi, o que não tardou a acontecer. Com a venenosa trinca de abertura composta por Mateus Enter, O Cidadão do Mundo e Etnia, a galera já foi à loucura e as famosas pipocas do show da banda já eram intensas. Como estava sendo tocado o na íntegra, clássicos como Maracatu Atômico e Manguetown jogaram a galera nas alturas e só fizeram abrilhantar mais um show que mostrava duas décadas de representatividade ideológica e musical em frente à nossas retinas. Abrilhantamento esse que foi maior devido á junção de Siba ao plantel sonoro da apresentação para executar músicas como a própria Maracatu Atômico, O Encontro de Isaac Asimov com Santos Dumont no Céu (dessa vez tocando uma Rabeca) e Corpo de Lama.

Após a execução do álbum por completo, a banda volta ao palco para integrar mais músicas num apanhado que, apesar de tentar visitar toda a carreira, deixou de fora músicas importantes como Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada e Da Lama ao Caos. Mas de certa forma é compreensível, pois a carreira da banda é composta de muitos momentos brilhantes e satisfazer todos em tão pouco espaço seria uma tarefa quase impossível. Encerrando a apresentação com Quando a Maré Encher e fazendo o público explodir de euforia e cantar mais que o próprio Jorge Dü Peixe, a Nação Zumbi encerra sua apresentação mostrando porque é um dos grupos mais relevantes da música brasileira de todos os tempos.

E não só por sua música a Nação deve ser lembrada, mas também por toda a genialidade lírica e cultural de Chico Science que nos deixou esse legado fantástico e pela forma de mostrar Pernambuco e uma realidade tão particular e ainda reclamar melhorias sociais na vida da população a qual pertence e inserindo a música dos Caranguejos com Cérebro como um dos movimentos musico-sociais imprescindíveis para a consolidação do rock nacional na época de 90. Mais do que uma apresentação, a Nação Zumbi entregou uma reafirmação do que é o Manguebeat e a sua importância para a música brasileira. Nós agradecemos.

Nação Zumbi
05 de maio de 2017
Circo Voador, Rio de Janeiro