Na noite de ontem, na Arena Anhembi, o Arcade Fire entregou a cerca de dez mil fãs um show extenso, porém ágil e de ótima qualidade. Em meio a telões vivos e luzes de múltiplas cores e efeitos, a performance da banda permaneceu como a parte mais relevante do espetáculo.

O time de músicos é grande – são sete artistas no palco, fora os convidados e técnicos – e demonstra não apenas entrosamento, mas genuína habilidade e paixão pelo que faz. Durante pouco mais de duas horas de show, em máxima energia, a banda trocou de instrumentos entre si e fez música com violinos, pianos, sintetizadores, baixos, guitarras e, durante a execução da tocante “We don’t deserve love”, até mesmo com garrafas de vidro. Mais do que um grupo dedicado à experimentação, o Arcade Fire demonstrou-se disposto a sair do óbvio.

Prova disso também foi a banda de abertura escolhida para começar a experiência da noite: o Bomba Estéreo, originário de Bogotá, chegou quebrando tudo. A vocalista, Liliana Saumet, trouxe-nos um respiro de personalidade e preencheu os espaços da arena com sua presença quase que hipnótica. A mistura de ritmos das canções da banda, que trafega entre os anos oitenta, a cumbia colombiana e a psicodelia absoluta, deu conta de esquentar a plateia para o prato principal.

Bomba Estéreo © Juliana Del Rosso / Zimel

Ao subir ao palco, às 21h30, o Arcade Fire iniciou os trabalhos com a popular “Everything Now”. O público, responsivo, acompanhou o coro da música com voz alta e muitas palmas. O setlist seguiu com “Rebellion” e, então, com “Here comes the night time”. Neste momento, a bateria da escola Acadêmicos do Tatuapé juntou-se à profusão de timbres e instrumentos e criou, com o perdão da obviedade, um verdadeiro samba. Se havia certa estranheza entre os músicos estrangeiros e a bateria tipicamente brasileira de início, não demorou muito para que ela se dissipasse e tudo parecesse estranhamente bem colocado.

A próxima música, Haiti, foi cantada por Régine Chassagne. Seus movimentos propositalmente robóticos, aliados ao seu tom agudo e às batidas que nos fazem lembrar da disco music, criaram um quadro bastante interessante. A atmosfera futurista de repente desembocou no country norte-americano, com “Chemistry”. A banda então flertou com o reggae em “Peter Pan”. Como se pode ver, não houve tempo para respirar.

Régine Chassagne do Arcade Fire © Juliana Del Rosso / Zimel

O show prosseguiu com as ótimas “No Cars Go” e “Eletric Blue”. O momento de ápice, no entanto, se deu com “Neon Bible”: neste instante, o telão pediu para que os fãs acendessem as luzes dos celulares. O resultado disso foi um palco basicamente iluminado pela própria plateia e, claro, olhos marejados.

As catorze (!) músicas que vieram depois disso trouxeram sentimentos controversos: “The Suburbs” gerou introspecção, enquanto “It’s never over”, canção que nos lembra vagamente do som do Daft Punk, transformou a pista em uma discoteca. Houve uma troca constante de estados de espírito, por assim dizer, e isto é encantador.

Encantado, aliás, estava o vocalista Win Butler durante todo o evento. Além de frequentemente voltar o microfone para as arquibancadas e de estimular o coro, ele ensaiou várias frases em português, declarou apoio a uma ONG brasileira e fez declarações apaixonadas: “vir ao Brasil recarrega nossas energias para todo o ano”; “vocês deveriam estar orgulhosos daquilo que criam aqui”; “o público de São Paulo é um dos meus preferidos em todo o mundo”. A última frase é um pouco clichê, mas tem um quê de verdade.

Depois de mais de cento e vinte minutos de apresentação, o Arcade Fire desceu do palco com a bateria do Acadêmicos do Tatuapé e saiu como quem conduzia um bloco de carnaval, ou seja, com os instrumentos nas mãos e, frequentemente, com os braços estendidos em direção aos que o acompanham. É bonito ver que o carinho dedicado à banda é devolvido na mesma medida.

Arcade Fire, 09 de dezembro de 2017
Arena Anhembi, São Paulo.
Fotos: Juliana Del Rosso