Se as primeiras impressões são as que ficam, o explosivo sucesso dos primeiros anos de Arctic Monkeys talvez tenha marcado a banda para sempre com a irreverência de “Dancing Shows”, “I Bet You Look Good on the Dancefloor” e afins. As guitarras distorcidas, o humor atravessado e o jeitão irreverente de brincar com acordes e riffs, bobos da melhor maneira. No entanto, ao longo de vinte anos de carreira é natural que o processo musical de uma banda evolua – até porque é bem difícil alcançar essa marca sem passar por transformações.

Transformação por transformação, porém, alguém que ouça pela primeira vez frente a frente o debut “Whatever people say…” e o lançamento “The Car”, que dá nome à atual turnê da banda, pode tomar um susto. Com um sentimento mais orquestral, a banda abraça o jazz e soa cada disco mais distante de hits como “R U Mine?” e “Do I Wanna Know”. Como encaixar tanta dissonância em um único show é a curiosidade e o desafio da nova turnê.

Estreia Brasileira

Oficialmente, o primeiro show após o lançamento do disco aconteceu ontem, na Jeunesse Arena, no Rio de Janeiro, com abertura da banda estadunidense Interpol. Trata-se da quinta passagem da banda pelo país – os brasileiros puderam acompanhar Alex Turner passar das camisas polo às jaquetas de couro, ao topetão e ao look retrô. Ontem, vestido de azul, o Roberto Carlos de Sheffield e seus companheiros fizeram a estreia da setlist da temporada.

Assim que as luzes do estádio se apagaram, a iluminação quente sobre a cortina cênica, um pequeno painel de LEDs – que a banda adora usar de elemento cênico – então o som ambiente cria um climinha, complementado com o telão em estilo VHS. Há sempre um drama, um estilo próprio para cada turnê do Arctic Monkeys, e o atual está bem menos sisudo que o de “Tranquility Base Hotel & Casino”. Abrindo com “There’d Better be a Mirrorball”, o vocalista não demora muito para dançar e andar pelo palco, interagindo e acenando para a plateia, mandando beijinho para os níveis superiores e abaixando para olhar o público da pista. Sempre brincando com o guitarrista Jamie Cook, esse carisma já é conhecido.

Coesão da apresentação supera discografia dissonante

Musicalmente, o encaixe é realizado com muita competência. Como quem propositalmente debocha das minhas “preocupações”, a banda não toca uma música seguida de outra do mesmo disco. Todas as faixas se intercalam. Algumas canções tiveram seu andamento reduzido, notadamente as do disco “AM”. Porém, isso não foi desafio algum para o baterista Matthew Helders manter a pegada. Da mesma forma que não foi problema para Nick O’Malley brilhar no baixo qualquer que fosse o ritmo. Sem depender de nostalgia, a banda dispensou o smash clássico “Fluorescent Adolescent” e viu o público chamar “Four out of Five”, de 2018, na palminha.

A banda tem provado que a renovação do som funciona. O mais recente disco foi responsável por algumas reações mistas dos fãs pela direção escolhida. Ainda assim, foi muito bem recebido ao vivo, que manteve as lanternas do celular acesas durante “Body Paint”. De presente, os cariocas receberam duas surpresas: “Do Me a Favour”, que não era tocada no país desde 2012, e a estreia ao vivo de “Sculptures of Anything Goes”, que abriu o bis. Vale destacar “R U Mine?” como encerramento do show – uma excelente escolha que tem funcionado toda vez de 2014 para cá.

Os britânicos seguem para se apresentar no Primavera Sound São Paulo hoje (05/11), e depois em Curitiba (08/11). Sem o hábito de seguir os setlists tão à risca, ainda pode haver surpresas nas próximas apresentações do Arctic Monkeys pelo Brasil. Vale acompanhar!

Fotos: Alexandre Durão